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30 de dez. de 2011

2011


Um ano. Este foi o período da gestão do terreiro coordenada por mim e por Pai Anderson de Oxalá (Pai Peninha), a primeira vez que assumimos a casa de uma forma unificada e não conflituosa a casa do Senhor Xangô das Sete Cachoeiras. Foi um desafio e tanto, algo que sempre esperei, até para poder testar minhas ideias de como gerir uma casa espiritual, era a minha chance de cercear maus hábitos e de ensinar aos iniciados a praticarem uma Umbanda mais leve e menos deturpada por artifícios, ensiná-los que ser é melhor do que ter, que um apetrecho não torna uma entidade mais poderosa e que a disciplina e o conhecimento os tornariam melhores. Foi essa a minha intenção.

Assim como afirmou Platão, existimos antes de tudo no plano das ideias, o reino das intenções e dos planejamentos onde tudo acontece de forma perfeita, conforme - obvio - o planejado. Contudo as ações, ao contrário das ideias que dependem apenas uma mente, as ações reais sofrem a interferência de outras pessoas com igual livre arbítrio e é aí que se iniciam as decepções e o aprendizado. Aquilo que planejei não foi muito bem absorvido pela maioria e completamente rejeitado por muitos, que saíram logo - que bom - e eu persisti. Pensei em desistir praticamente em todas as semanas que sucederam as giras porque a pressão era enorme e estava começando a me custar amizades importantes. Todavia outras amizades de valor infinitamente maior me apoiaram nesses momentos, é o caso de meus companheiros de batalhas e conselheiros Pai Anderson, Leandro Hiroyuki e meu pai e Cambone Esequias (Mojubá), além de minha esposa e cunhados que me ampararam quando vacilei e dei margem para uma onde de críticas que quase me derrubaram como pessoa e como dirigente espiritual.

Foi um ano de altos e baixos e felizmente os momentos altos marcaram mais dos que os dignos de deméritos. Ainda hoje quando paro para me lembrar dos momentos em que todos oraram em uníssono e cantaram idem, contribuindo não apenas para a própria firmeza, mas também para o desenvolvimento dos demais irmãos, seus sorrisos e seu fervor eu ainda me arrepio como se estivesse lá vivendo aquele momento pela primeira vez. Apesar da resistência, nosso templo é composto de pessoas muito talentosas que dão uma tremenda canseira em seus zeladores espirituais, mas com o tempo e repetição acabam aprendendo.

Repetição. Algo que eu odeio, ainda mais numa relação entre pessoas adultas, mas que foi necessário para para progredir com o planejado. Mais que isso, eu diria que foi essencial, um fator crítico do sucesso do planejamento. Não podíamos deixar que readotados os criados desvios de conduta que lutamos para execrar. Felizmente está dando certo, mas ainda há muito mais o que fazer. Trabalharemos as bases e assim evoluiremos para práticas mais sofisticadas da vivência espiritual, contudo para chegar lá inevitavelmente algumas cabeças rolarão e outras voltarão a ativa. É quebrar os ovos para fazer um omelete.

Planejamos, fizemos, checamos e agora analisamos o que foi feito. Meu ex-chefe, Carlos Basso, me disse uma vez que o ciclo PDCA pode ser aplicado ao dia a dia. E não é que ele estava certo?


O barquinho já foi entregue, agora é planejar 2012. Axé.

16 de dez. de 2011

DECEPÇÕES


Estava aqui pensando sobre Jesus. Eu nunca li a Bíblia, conheço sua história através de filmes, outros livros, histórias que as pessoas contam. Fico me questionando se outra pessoa faria o que ele fez: se dedicar a vida inteira a uma causa, ajudar a todos, pregar a paz e a retidão de caráter, amar seus semelhantes e mesmo assim ser traído pelo seu povo.

Deve ter sido realmente agoniante olhar para as pessoas e saber que elas tem potencial para fazer coisas incríveis porque ele já as viu fazendo e mesmo assim observá-las entrarem solenes na rota contrária do que é certo. Ele se esforçou ao máximo para plantar um pensamento dentro daquelas pessoas, eu admiro isso. Mas não sei se conseguiria ter tamanha grandeza em relevar os atos de egocentrismo e primitividades daquelas pessoas. Eu me cansaria de lutar por elas logo no primeiro ano.

Jesus é um grande espírito. Oxalá também, por isso o sincretismo. Eu não e nem sei se serei um dia.

"Pacta sunt servanda"

2 de dez. de 2011

MEU PEDIDO


Amanhã, dia 3/12/11, é dia de gira no templo. A antepenúltima do ano, uma preparação para os encerramentos - da direita com a Festa de Iemanjá e Iansã no dia 10/12/11 e o encerramento da esquerda no dia 17/12/11. O ano está acabando e com ele começo a colher lembranças do que passou, mas isso é assunto para daqui algumas semanas, até lá terei muito mais lembranças para colher.

Fato é que eu ainda estou inebriado com a energia boa da última sessão, com toda aquela harmonia e união dos irmãos finalmente agindo como fraternos espirituais. Enfim! Aprendi naquela noite que sou nada perante a vontade coletiva, que se meus filhos quisessem continuar se comportando como crianças desordeiras nada os impediria. Não fui eu quem gerou aquela união, foram eles e tão semente eles! E é isso que me comove, porque me sinto como se eu tivesse passado um ano atirando numa rocha com um estilingue e finalmente aquela pedra enorme se tocou. Parou para refletir sobre a sua função e rolou solene de acordo com o fluxo natural das coisas: harmônica e coordenadamente no sentido da luz.

Meu desejo é de que aqueles momentos se repitam amanhã e sempre. Que meus filhos aceitem o fato de que são um meio, um canal de comunicação entre o plano espiritual e o terreno e que é se doando que serão felizes de forma verdadeira e duradoura. que entendam que a função do terreiro não é resolver seus problemas e sim ajudar para que cada um possa se tornar forte mental e espiritualmente e assim resolver seus atritos por si. desejo que ao orarem eles agradeçam pela força de conquistar soluções e não pelos problemas que o astral resolveu.

Espero que a gira passada me tenha sido um sinal de que as coisas estão melhorando, um sinal de que todos ali estão compreendendo a necessidade de aprendizado para se aproximar dos espíritos mais desenvolvidos para futuramente deixar de pedir auxílio e então começar a ajudar quem ainda está um pouco atrasado na trilha da evolução.

Meu desejo será atendido. Tenho certeza disso.

Axé

24 de nov. de 2011

O MELHOR DE SI



Sábado, 12 de Novembro de 2011. Para muitos foi mais um sábado chuvoso, para outros mais um dia de gira no terreiro e para uns poucos foi somente mais uma noite de ficar em casa pensando na falta que poderiam fazer a alguém. Para mim não.

Estava com o peso do conflito ainda sobre a armadura, as feridas morais já haviam cicatrizado, mas ainda doíam e eu não sabia o que esperar daquela noite. Sou um homem de planos e para esse tipo de pessoa, ficar sem saber o que esperar é o caos total, mas fiquei firme em meu posto. Cumpri com minhas obrigações, maculei meu corpo com carne e nem minha alma com rancor e segui em frente, banhei-me de ervas, cobri-me de branco e fui receber meus filhos, mas ainda me questionava até quando eles seriam minhas crias de bom grado. eu não sabia o que esperar.

Nessas horas, amigos, é que noto como sou pequenino e como os Orixás podem fazer de nós menores ainda, brincando com nossos medos para que enxerguemos o nosso devido lugar. Um a um os filhos foram chegando, de forma silenciosa e respeitosa foram cumprindo seus rituais. As bênçãos, as firmezas, as rotinas, tudo como manda o figurino, tudo aquilo que lhes ensinei durante este ano inteiro. Fui surpreendido.

Antes de iniciar a gira, uma conversa. O que habitualmente eram correções de postura repetidas à exaustão se tornou em uma única pergunta: "Quem aqui está afim de dar o melhor de si hoje?". Eu esperava três ou quatro mãos se erguendo, mas vi mais de uma dezena! E curiosamente a dona da única mão que não se levantou foi uma das pessoas que mais vibraram comigo nas horas que se passaram. ela ode não ter movido as mãos naquela hora, mas estava já de coração aberto, estava se doando.

O resultado disso foi simplesmente a gira mais maravilhosa que já tive a honra de participar. Não era festa de Orixá algum, mas sei todos eles estavam festejando conosco, a Aruanda estava ali porque eu senti, eu via nas pessoas a alegria de estar cantando, de estar ajudando seus irmãos. não resisti e fiz questão de chamar todos os Orixás para a terra. eu queria tocar para eles, cantar em agradecimento e o fiz. Fiz tanto que quando parei, meus dedos estavam com bolhas enormes, mas eu não me importava com isso, tocaria a noite toda até sangrar as falanges se fosse necessário.

Tudo isso para agradecer a Zambi e todos os orixás por me avisarem que tenho filhos maravilhosos que respeitam a sua casa e amam seus irmãos. Por isso eu os amo, todos eles.

Quem está afim de dar o seu melhor todos os dias?

Axé.

11 de nov. de 2011

OS SÁBIOS



Domingo passado fui junto de meu pai e cambone do templo a uma palestra do ilustre orador kardecista Divaldinho Mattos. A palestra tratava dos caminhos da mediunidade, das responsabilidades que um médium chama para si ao assumir a condição de meio entre o plano espiritual e as pessoas que necessitam de ajuda. Foi uma manhã sem igual, recheada de informações e bom humor. Está certo que o foco do discurso era na a doutrina de Allan Kardec, contudo médium é na Umbanda, no Candomblé, nas igrejas, no Kardecismo, onde for e padecem das mesmas falhas e necessitam de coisas semelhantes, como conhecimento da doutrina e do plano espiritual e também - em muitos casos - humildade, saber que o fato de ter um dom especial não o coloca em um ponto acima dos demais irmãos. Nenhum médium é coberto por uma aura de santidade que o absolve de todo pecado que comete, tão pouco lhe garante a salvação. Muito pelo contrário, só lhe aumenta a carga pois ele divide com os irmãos do astral a responsabilidade de ajudar quem precisa, daí a necessidade de aprendizado e maturidade porque agimos - nós médiuns - como médicos diante de um paciente: ele presume que somos totalmente preparados para a função que exercemos, que conhecemos a fundo seus males e os compreenderemos sempre. Fato é que isso está cada vez mais próximo de se tornar uma utopia, ao menos pelos exemplos que venho observando.

Em minha trajetória umbandista já ouvi frases do tipo "Vou estudar para que, se o guia já sabe tudo?" ou ainda "Não tenho nada a ver com isso, foi o guia quem fez" chegando a "Tô nem aí, se eu sentir guia perto vou logo deixando vir". Pessoas assim são cheias de boa vontade, não nego, mas também não dá para negar que é confortável se esconder atrás da boa vontade e se na conformada sombra da ignorância, pessoas que descobriram que a mediunidade se dá mesmo sem a busca pelo aprendizado ou a manutenção dos preceitos e rituais indicados pelo plano espiritual. Precisamos colocar em nossas cabeças que o conhecimento que os sábios nos deixaram em livros ou outros documentos é um favor enorme que nos prestam, uma benemerência sem fim e é analisando essa herança que evitaremos os mesmos erros cometidos por tantos (inclusive pelos sábios) e poderemos fazer muito mais por nossos irmãos e por nós mesmos! Para que começar do zero se podemos nos debruçar sobre os passos dos maiores?

Esse é um conselho que vale não somente aos umbandistas. Faça uma lista com quem, na sua opinião, são os maiores gênios que você conhece. Certamente aparecerão nomes como Steve Jobs, Bill Gates, Einstein etc. Agora busque quem foram os pensadores que os inspiraram e verão que o legado de seus ídolos é permeado por influências de seus mentores. Isaac Newton - na minha opinião o maior gênio da história - disse certa vez "Se consegui ver mais longe é porque me apoiei em gigantes"

O conhecimento está aí, use-o. Axé.

4 de nov. de 2011

COLETIVIDADE


Quando entro no templo invariavelmente eu penso na segurança da gira, como somos uma casa de quebra de demandas (forças negativas) a segurança é fundamental, a energia de purificação gerada na gira tem de atingir níveis extraordinários para poder se sobressair frente ao peso carregado pelos visitantes necessitados que nos procuram. Peço licença ao entrar, firmo a vela de Oxalá - caso meu pai de sangue e Cambone da casa já não o tenha feito, tamanha sua devoção - e a partir daí vou firmando a chama dos demais: de Oxum ao Senhor Omolu, de Xangô aos Caboclos, sempre pedindo a eles a firmeza e a proteção necessários à gira. É só isso que peço, nada mais, mas quem possa falar "Não pedes força, vibração, fé e axé para a gira? São também fundamentais". São, claro que são, contudo isso cabe a nós buscarmos dentro da gente e também nos Orixás que nos cercam, pois penso que eles já fazem o suficiente em nos proteger para que nós trabalhemos em prol da caridade, para que busquemos a melhor forma de encontrar a energia divina.

Vale lembrar que somos todos médiuns, ou seja, o meio pelo qual as coisas acontecem. Somos o canalizador da energia do astral que deve se fazer presente na vida de quem necessita e fazer isso não é fácil, não conseguimos sozinhos. Para tanto a busca de conhecimento sobre o divino e sobre o terreno é fundamental para entendermos o nosso lugar entre esses planos e como pavimentar o caminho entre quem pode ajudar e quem precisa de amparo. Isso em sua forma mais elementar dentro de um terreiro é a doação, é deixar de pensar como indivíduo e se integrar à coletividade, é ter fervor no canto, nas palmas e nas orações, é a disciplina para manter a energia gerada durante todo o trabalho espiritual. É se fazer um só junto dos irmãos, pois o individualismo pertence somente à raiz primitiva do espírito e é sabido que todos os caminhos levam ao Pai e se Deus está presente em tudo o que existe, Ele é então a coletividade.

Por isso ainda prego a doação, a perseverança em vencer as dificuldades e cantar, aplaudir e participar efetivamente nas giras realizadas. E convido o irmão a sentir a diferença quando encontrarmos a coletividade, ou seja, quando ficarmos mais próximos de Deus. É possível, todos tem esse potencial, basta o esforço em compreender que somos o meio e não o final da trilha, que estamos aqui para repassar e não para colher.

Rumo à Coletividade! Axé.

29 de out. de 2011

ERRATA


Falei semana passada sobre a busca por aprendizado, nossa missão aqui neste plano e a capacidade de encontrar Deus através de sua compreensão. Aprendizado. Vivendo e aprendendo com os acertos e, principalmente, com os erros. Todavia errar dói e para se defender da dor moral de um erro a consciência humana desenvolveu uma defesa: a negação. Todo mundo usa a negação, quando erramos logo damos um jeito de justificar o erro ou dar a ele aquela capa da boa intenção em que a atitude falha é vestida com o manto da necessidade. "Foi por uma boa causa, foi necessário" - sempre dizemos isso.

Eu faço isso quando erro, você também faz. É natural como qualquer outra reação de defesa humana, como um espirro para que o corpo se livre da poeira no nariz, como o arrepio que nos avisa que o frio é desconfortável, a negação tenta nos aliviar da culpa por uma bobeira ou um excesso cometido.

Contudo a negação nos impede de refletir? Não. O fato de sua mente tentar aliviar a carga da culpa, isso não mudará a mágoa que criamos, o desconforto gerado não pode ser esquecido e a cicatriz moral permanece. Então o fazer? Refletir sobre o impacto, se redimir e evitar que se repita, pois a reincidência é pior que o erro debutante, mostra total falta de consideração pelo próximo e também dolo pelo ato, já que a pessoa sabe e assume o risco de criar dano ao próximo.

Necessidade a parte, eu errei feio hoje. A mensagem foi correta, o meio foi desastroso e machuquei pessoas importantes para mim pessoal e espiritualmente. Para elas eu peço desculpas e dou minha palavra de não repetir o erro.

Sem negação, sem justificativas. Axé.

16 de out. de 2011

DEUS



Há cerca de um mês eu estava numa conversa de cozinha com minha sogra e uma amiga que é da família. três umbandistas conversando sobre - óbvio - a Umbanda. achei aquela conversa uma das mais construtivas que já tivera, pois ela não se resumiu ao relato de acontecimentos de terreiro ou sobre as graças que as pessoas alcançaram sob a orientação dos mentores que partilham dos corpos dos envolvidos na conversa. Aquela prosa não tratava de coisas ou pessoas, mas sim de ideias.

Falávamos sobre como as pessoas estão evoluindo em seu intelecto e o quanto ainda há o que melhorar. Através da troca de experiências naquela tarde eu percebi que quanto mais se busca o conhecimento, menor é a necessidade de rituais ou outras práticas que não julgo erradas, mas que tem cada vez menor peso em nossas vidas conforme vamos nos aproximando da fonte de iluminação. E qual seria essa fonte? Deus, claro.

Só que Deus em sua concepção mais pura e clara. Gosto da descrição do Livro dos Espíritos, de Allan Kardec: "Deus é a inteligência suprema, a causa primária de tudo o que existe". Bem mais simples e direto do que o Livro de Apocalipse: "Sou o alfa e o Ômega...", uma conhecida disse que por eu não conceber Deus exatamente como na Bíblia eu não era um homem Dele. 

É exatamente esse pensamento exclusivista que me dá aversão às religiões de maneira geral. Já frequentei igrejas que afirmavam que seriam salvos somente os que frequentavam aquele templo específico. quando ligo a TV vejo uma competição de milagres e carnês de salvação. Na Umbanda encontrei uma filosofia que permite várias crenças desde que elas pratiquem o bem, contudo encontrei também gente muito vaidosa como no caso que relatei da mãe que se achava superpotente.

O fato é que todos caminhamos - cada um à sua velocidade - na mesma direção: da simples religiosidade, não da religião. tal qual diz a bíblia: "todos os caminhos levam ao Pai..."

Axé.

7 de out. de 2011

É D'OXUM


Amanhã será festa de Oxum, uma singela celebração que jamais estará sequer aos pés do que este Orixá tão belo merece. Sim, sou filho dela e com muito orgulho em dizer isso embora confesse que em 99% das vezes em que me dirijo diretamente à Oxum é para pedir perdão. Por tudo o que faço, me acho tão falho e indigno de minhas responsabilidades que a impressão que tenho é que a imagem de Nossa Senhora aparecida (sincretizada de Oxum) que guarda a entrada do lar que me abriga está sempre a me vigiar, me lembrando que sou filho Dela, que devo honrar a confiança em mim depositada, que devo amar como Ela ama e ter ao menos um pouco de sua doçura.

Paro para pensar e me dou conta que ao ascender o congá antes das giras, a cada Orixá eu faço um pedido, seja pela casa como um todo ou para a segurança dos filhos, mas só para Oxum eu peço perdão por minhas falhas e para Oxalá eu agradeço pelos acertos e oportunidades. Me remeto à situações longínquas como no dia em que confeccionei meu brajá de três fios na cor de minha mãe - azul marinho. A cada conta fixada no fio uma lembrança de meu despertar à religiosidade, das descobertas, das tristezas, das broncas e elogios. Quando Pai Peninha teve a confirmação: "És filho de Oxum". Ele até então guardado no manto de Oxalá aguardara tempos sem fim até a confirmação, contudo era visível um "eu já sabia" em seus olhos. quem é filho de Oxum sempre sabe que é, por mais que se recuse a acreditar, mas ela está sempre ali a nos observar guardando a porta, numa estátua na rodovia, nas contas azuis de uma guia, dentro de nós.

Não importando qual seja o seu Orixá de cabeça, se você sabe ou ainda não quem ele é, entre em contato com ele. Não precisa de oferendas, de velas ou de um templo. Busque-o dentro de si, afinal a Umbanda - a religiosidade em si - não é uma experiência introspectiva? Deus nos fez um grande templo, o local mais sagrado na terra com uma pequena centelha de sua divindade. Um terreiro nada mais é que a reunião orientada de vários templos, ou seja, a união de cada um de vocês.

Axé.

30 de set. de 2011

CAPACIDADE




Quando os Orixás me olharam e me mandaram zelar por sua casa e filhos eu não gostei, confesso. Me achava despreparado e leigo demais, jovem demais pra gerir pessoas mais velhas do que eu, seus conflitos e dissabores, lidar com a vida de uma porção de pessoas carentes de ajuda e atenção. Porque é fato: a maioria das pessoas só recorrem a um terreiro quando estão em desespero, quando acham que Deus lhes virou as costas ou quando por si sós já não conseguem alcançar seus objetivos e pensam que fazendo um despacho a solução virá. Me achava pequeno demais para mudar essa situação, com toda razão.

Mas como sempre descubro que o tempo é senhor da razão e o astral está sempre certo, aprendi que nunca estive pronto mesmo para resolver todos aqueles problemas, mas aprendi também que não cabe a mim resolvê-lo, minha parte é ensinar as pessoas a pensar e a notarem que quem faz as coisas por elas são elas mesmas. do contrário, para que o livre arbítrio, tido por todos como a maior dádiva concedida aos homens por Deus? Meu discurso é simples:  ninguém fará nada por você, nem homem e nem Orixá. Estão todos aqui para ajudá-lo, para te indicar o melhor caminho que você trilhará. Só isso.

Um discurso simples que implica em ações longas e muitas vezes duras. Minha proposta sempre foi a de tirar as pessoas de sua zona de conforto, de ensiná-las - médiuns e assistência - que nem sempre eles ouvirão o que esperam ouvir e que podem mesmo assim ficar bem com aquilo que precisam, não aquilo que querem. Pode até ser que nas primeiras vezes não se sintam "abraçados" pelo sacerdote, mas verão que estão se tornando muito mais capazes do que eram quando mimados, quando tinham apenas o pão e o circo.

Me chamem de frio, de excessivamente pragmático ou o que for, mas pensem: vocês se sentem mais capazes?

Axé.


20 de set. de 2011

CAÇADORES DE AXÉ



Uma vez estava conversando sobre Umbanda com uma conhecida, estávamos no msn numa conversa agradável e despretenciosa enquanto ela falava de suas religiões: Umbanda, Quimbanda e Candomblé. Até aí tudo bem, eu estava aprendendo um pouco mais sobre as diferentes liturgias e culto aos Orixás quando fiz questão de falar que eu nunca havia passado por nenhum tipo de ritual de iniciação na Umbanda como batismo, feitura de cabeça, Borí ou coisas afins e mesmo assim conquistei o respeito das entidades de luz e os Orixás nunca haviam me cobrado. Nessa hora ela disparou: "Mas isso não acontecerá jamais, porque umbandista não tem Orixá". Não discuti, cada um tem a sua crença e não cabe a mim converter ninguém, até porque aprendi na Umbanda que não existe religião errada e nem religião certa, todas estão caminhando  - cada qual em sua velocidade - para a parfeição, assim como os homens que as formam. O certo mesmo é a religiosidade, não a religião. Deus é um só, não importando como ele é chamado ou em quantas personalidades o dividimos, somos parte dele e por isso considero Deus como sendo de tamanho e quantidade incontáveis.

Fato é que após aquela conversa - que se encerrou após aquela frase, diga-se de passagem - comecei a refletir sobre as motivações de cada um para aceitar uma ou mais religiões. Percebi que das pessoas que já falaram sobre isso comigo, apenas uma minoria escolhe uma religião para buscar Deus e outra fração ainda menor está numa religião porque já encontrou Deus e vai para compartilhá-lo com quem precisa. Já a fatia mais farta engloba as pessoas que tem medo do destino de sua alma caso não faça parte de uma ceita, seja ela qual for. Neste meio também contabilizei as pessoas que buscam uma solução para a sua vida, que querem se livrar de dívidas, de brigas e outras coisas mais. São os que vão em busca de milagres e que em sua maioria acreditam que simplesmente estando dentro de um templo, orando ou pedindo a um Orixá as coisas acontecerão.

E há tembém o grupo mais curioso, o das pessoas que desejam sentir energias que as balancem, que almejam participar de toda sorte de rituais que lidem com as forças mais densas possíveis, não importando a finalidade, elas querem é sentir o Axé. São os "Caçadores de Axé". São pessoas que infelizmente acabam no Candomblé guiados pela riqueza ritualistica dessa religião maravilhosa, que pela sede de poder que as magias milenares da Mãe África traz acabam maculando a imagem dessa religião. Não raro essas pessoas dizem "Umbanda? Isso aí é fraquinho demais para mim, é tão parado...". Ou então imploram para adentrar numa corrente e desenvolver sua mediunidade porque acham muito legal perder o controle do corpo.

Para que isso? Quem quer agitação, vá a uma festa. Quem quer perder o controle do corpo, basta ir a um beco escuro. Sei que lá haverá alguém com um pacote pequeno que, por um preço, resolverá a sua vontade de descontrole. Tudo é questão de foco e o foco da Umbanda é a caridade, é a doação.

Se você entrou ou quer entrar para uma religião pense bem o que você deseja dela e o que ela promete lhe dar. Até hoje a Umbanda não me prometeu nada. E foi por isso que a escolhi.

Axé.

2 de set. de 2011

BRAVO SENHOR!



Vez ou outra eu paro pra pensar: "Nossa, tenho 25 anos e sou um líder espiritual para uma série de pessoas". De fato sou, não por querer, afinal de contas o título e o ônus me foram outorgados pelo astral e tenho que dar o meu melhor para fazer as pessoas felizes e capazes e assim as engrenagens da vida e da espiritualidade continuarem girando. Penso sobre liderança, em como motivar as pessoas e mantê-las nos trilhos certos, mas mesmo assim algumas pontas acabam escapando inevitavelmente. Como a ponta do meu pai - de sangue mesmo e cambone da casa - que foi vencido pelo alcoolismo a vida toda, se recuperou clinicamente, se perdeu de novo, se reencontrou na fé umbandista e foi tombado novamente pelo vício.

Com ele aprendi a ser homem, nele tenho um exemplo de fé irrefutável a seguir e por isso me frustrei ao saber que estava caindo em derrotas novamente. Que filho sou eu que não consigo ajudar meu pai? Que pai sou eu que não consigo ajudar meu filho? Se me elevaram ao grau de pai é porque eu tenho o dever de agir quando um filho necessita, não é? Senti que ia falhar, que não conseguiria ajudar meu filho a vencer um vício que o derrubava há anos.

Foi então que Zé Pilintra apareceu. Dr. Zé Pilintra, Sr. Zé Pilintra. Veio virado pra ajudar um outro filho que padecia, mas depois foi até meu pai para terem uma conversa. Seu Zé me deu parte de consciência ali, talvez para me mostrar como se faz ou para me dizer que ele estava lá durante todo tempo e sempre estará quando eu precisar. Não consigo me lembrar das palavras, mas sentia a veemência delas retumbando em meu pai/filho, os olhos dele brilhando marejados de lágrimas, era como se Seu Zé o tocasse por dentro e retirasse o medo e só deixasse coragem, assim ele não mais se esconderia atrás de uma garrafa.

Forte, direto e bravo, um Bravo Senhor. Jamais me esquecerei daquela aula que tive e que culminou com uma sessão de descarrego na qual Ele gingava capoeira e quebrava as demandas. eu não vi, mas senti tudo aquilo e os poucos que viram guardam segredo da solenidade do momento. Mas algo que vi ontem eu faço questão de contar e mostrar.


MOJUBÁ: "Graças ao meu padrinho estou limpo de novo. Agradeço a ele e todos os amigos dele...
MOJUBÁ: "O importante é ter fá porque somos movidos por ela"

Recados que ele deixou em meu orkut. Naquela hora a nuvem em minha cabeça se dissipou, era Deus agindo, Sr. Zé Pilintra trabalhando em nome dele.

Axé.



25 de ago. de 2011

PENINHA



Sábado passado estávamos aos pés de uma árvore, debaixo de chuva e frio. Um grupo de cinco amigos e quatro corpos, três das quatro pessoas que mais me defenderam no terreiro e um dos Orixás que mais sofreram comigo ali. Meu pai, minha mãe, Sr. Marabô e o Peninha. O Pai Peninha.

Eu e o Peninha temos uma afinidade que transcende o físico, ultrapassa vidas. A gente se entende desde garoto, no passe de bola, nas piadas, nos protegíamos nas brigas, dividimos o mesmo quarto e trabalhamos juntos por muito tempo, meus pais o amam tanto quanto a mim ou qualquer um dos meus irmãos e na Umbanda não poderia ser diferente. Iniciamo-nos praticamente ao mesmo tempo, ajudamos  - mesmo sem saber o que estava acontecendo - a fundar a casa que hoje todos chamam de Portal dos Orixás, para nós era somente uma reunião entre amigos para compartilhar da Luz dos Orixás e ceder a eles o nosso corpo.

Vibrei quando seu desenvolvimento evoluiu e seus guias começaram a proferir as primeiras palavras. Certo dia numa sessão no quarto da casa de nossa Mãe seu preto velho foi embora e ele se sacudiu, comemorei como se fosse um gol em final de copa do mundo: "Você viu aquilo? Viu?!" Éramos crianças crescendo e até hoje me sinto meio juvenil perto da simplicidade com que Pai Peninha me mostra as coisas da vida, logo eu que me gabo de ser articulado com as palavras, vejam só.

Já o odiei, confesso. Odiei nas vezes em que ele faltou numa gira e me deixou sozinho lá sem aqueles repiques de atabaque, sem aquela voz estridente a me acompanhar nos pontos, sem aquele sorriso rechonchudo quando tudo dá certo, sem as preces puras de coração no fim de cada gira.

Num momento qualquer de dificuldade foi ele quem me deu a lição que prego a todos aqui: "Cara, seu compromisso é com os guias e com quem precisa de ajuda. Entra, faz o seu e sai, Oxalá está vendo tudo isso". Aprendi tantas coisas com ele... inclusive que estou me tornando um bobo sentimental.

Molhei meu teclado. Axé.

15 de ago. de 2011

MARABÔ



Sábado temos duas festas no templo: Omolú e Exú. Para mim é uma data muito especial, data de minha morte e renascimento enquanto umbandista, marca o dia em que aprendi o valor e o significado da palavra lealdade, marca a frase que para mim fio a mais certeira das profecias: Sr. Marabô dizendo: "Sou eu quem limpo a sujeira, logo tudo o que prego será comum aqui". Naquele dia, quando meu pai (e cambone da casa) me contou da frase eu - ainda cego de mágoa - nem liguei, praticamente pense "E daí? está tudo acabado mesmo...", mas o tempo me provou o contrário. O tempo e o Sr. Marabô.

Enquanto reclamavam que ele mantinha abertas as cortinas do congá na linha de Exú, ele dizia: "Sou filho de Deus igual a um Caboclo ou um Preto-Velho, por que eu temeria essa luz? E mesmo que eu temesse, por acaso essa cortina tem algum poder mágico capaz de barrar a Luz Divina? Então deixe-a aberta, por favor"

Exú falando em Deus? Para muitos aquilo era o maior dos absurdos. Ele rebatia: "Ai de mim se não lembrar a todos quem manda aqui". Nesse mesmo ano ele entrou na capela do cemitério, se ajoelhou e orou.

Quando ele assumiu a tarefa de fazer descarregos no templo, disseram que era loucura, que tanto ele quanto eu estávamos passando dos limites. Talvez só eu, pois as afrontas aos costumes retrógrados eram tão grandes que Exú nenhum faria aquilo sem a "influência" de um jovem Pai-pequeno. Ele interveio: "Esses eguns acabam todos na minha banda mesmo, só estou fazendo o meu trabalho diante de seus olhos".

Nasceu a lenda de que Exú não come sal: "Me dê um punhado de sal... viram? É apenas sal, seja na minha boca ou na sua", falava ele enquanto comia pedras de sal grosso.

Hoje sou grato a ele por me ensinar a dar a volta por cima e ter paciência. Chegue lá em casa e veja se alguém estranha as cortinas abertas, descarregos na linha de esquerda, comida com sal ou o nome de Deus sendo citado por um Exú. É tudo coisa comum lá...

E por incrível que pareça ele é o único Orixá que vi até hoje pedindo desculpas a alguém por algo que não deu certo. Com isso aprendi que perfeito é só Deus, mas aprendemos com todos.

Eu poderia escrever horas aqui falando como é o Sr. Marabô, suas vestes, presentes que ganha, lendas de suas outras vidas e tudo mais, mas prefiro falar de seu legado. É assim que se definem os grandes caráteres.

Axé.

8 de ago. de 2011

DESAPEGO



Quando Jesus disse "Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus" minha compreensão não se limitou à relação entre a riqueza e a salvação, acredito que Ele estava se referindo ao desapego das coisas e sentimentos carnais e só assim as portas do paraíso se abririam.

Não é fácil desenvolver esse desapego, nós mesmo levamos inúmeras encarnações para aprender e outras incontáveis para colocar em prática, mas uma coisa é certa: o desapego é essencial. Se libertar das mágoas que nutrimos contra aqueles que nos faltaram - sejam estes carnais ou espirituais - e se livrar do apego excessivo naquilo que pertence somente à terra, como o ouro e a carne é realmente de extrema dificuldade porque já nascemos sob uma cultura que prega a propriedade privada, vivemos sob o mantra do individualismo e de uma hora para outra simplesmente abandonar tudo aquilo que acreditamos para receber coisas intangíveis, invisíveis e (para os ateus) infundadas, como o amor e a salvação parece até loucura. E quando falamos que é mais recompensador doar do que receber? Loucura total! Impossível de fazer.

Não se muda da água para o vinho num piscar de olhos, é um processo gradativo. Comece se desapegando de algumas idéias, de certos dogmas como o de que um Orixá não erra, por exemplo. É uma questão de lógica: perfeito e soberano é apenas Deus, fora isso todas as criaturas da eternidade estão sujeitas a falhas em menor ou maior grau. Parece loucura, não é? Mas aceite isso e reflita, verá como seu horizonte se expandirá um pouquinho mais. É o primeiro passo.

Após isso tente traçar uma linha que divide seus sentimentos internos e externos ao templo, tente ter o mesmo e máximo amor, respeito e ternura por todos mesmo que um desses seja seu desafeto fora da casa. Ficará mais leve com esse gesto de grandeza e semeará a tolerância em muitos ali, tenho certeza.

A vida e o templo são como construções: vão crescendo a cada tijolo bem assentado.

Axé

27 de jul. de 2011

AOS MEUS FILHOS




Essa semana foi especial para mim, recebi muitos feedbacks de amigos, filhos de santo e ex-filhos de santo sobre a minha postura no templo e maneira de conduzir a casa. Os comentários variaram desde a frieza e distanciamento até a seriedade, comprometimento e amizade sincera com os filhos. Passei a refletir sobre isso.

No post passado dissertei sobre a impessoalidade das grandes casas frente à fraternidade das menores e é fato que o Portal dos Orixás tem nome grandioso e estrutura modesta, então será correto o meu distanciamento? Percebi que a resposta não é exata como um sim ou um não. Fato é que o ser humano vive de comparações: meu cachorro novo frente o meu antigo, minha namorada é ou não mais companheira que a minha ex, meu pai de santo é mais legal que minha mãe de santo? Enfim, estou encabeçando a equipe do portal recente e provisoriamente e é natural essa comparação. Afinal por mais que o discurso seja de continuidade, eu tenho visão diferente sobre a Umbanda e o trato com as pessoas em relação à minha Mãe de Santo. Já disse que não tenho o mesmo carisma ou a mesma candura dela, contudo ambas as fórmulas são de sucesso, cada qual para o seu público e não é a toa que sempre que há essa troca de gestão há também certo êxodo de fiéis e o retorno de outros. Há quem prefira o meu método e quem o deteste, tudo é uma questão de ponto de vista.

Não sou do tipo que deixa os filhos voarem prematuramente para novas e grandes jornadas, para mim o preparo é fundamental e ele vem com base na rigidez da educação cívica e religiosa em que os responsáveis pela espiritualidade figurativamente espremem os filhos. Não tenho dó de combater crendices inúteis, retirar os atabaques para que eles firmem suas cabeças no difícil silêncio, observo os erros e pergunto se sabem a forma certa para ver se a resposta será ou não verdadeira e, se mentirem, os ensino a maneira correta na frente de todos. É assim que eu vejo a criação de médiuns fortes e pessoas sensatas. eu chamo isso de médium cascudo, musculoso, firme, voraz.

Mas não sou tão duro assim. quem me olha no terreiro vê mais sorriso do que siso. Sou próximo de cada um ali, faço questão de ir cumprimentar a todos e congratulo sua evolução. Também seu pedir desculpas quando eu erro e principalmente quando o terreiro erra. E já errou muito com muitas pessoas que hoje me ouvem com mais atenção principalmente quando eu peço que voltem para o seio de seu lar espiritual, que sigam conosco para fazer do Portal dos Orixás uma casa unida e forte e assim multiplicarmos o poder da caridade. Aos meus filhos eu confesso: posso não ficar na sua casa perguntando dos seus problemas, posso não te convidar para batizar meu filho ou para ser padrinho do seu, posso não ir te visitar, posso não te ligar todos os dias, mas eu conheço seu sofrimento e oro por você todos os dias, pela sua família, por sua coroa e por sua proteção. Oro para que você esteja preparado para enfrentar os perigos de fazer o bem e que se sinta feliz por isso.

Este post é para vocês.

Axé.

16 de jul. de 2011

BONSAI E EUCALIPTO



Certa vez uma mãe de santo começou a se gabar de que sua casa estava se tornando uma potência regional, com mais de 50 filhos e com seu nome sendo espelhado pela cidade. Eu sempre me esforçava para colocar seus pés no chão, dizendo que o bom é permanecer pequeno. Um dia então a "Mãe da Potência" teimou em tirar o CNPJ da casa e querer se filiar a uma federação enquanto eu insistia que não era necessário já que a Constituição Federal nos assegurava o direito ao culto e reunião e que o CNPJ só daria o direito à isenção de IPTU enquanto os gastos aumentariam com contabilidade, burocracias em geral, declaração de patrimônio etc. Não satisfeita foi procurar a opinião do sábio Pai Ronaldo Linhares, presidente da FUBABC, que de cara perguntou sobre a casa. ao ouvir a resposta, disparou de forma simples, sem a mínima soberba: "Ah, então vocês são uma casa de pequeno porte, não precisam se preocupar com essas coisas. A constituição assegura direito ao culto, porque 50 pessoas é apenas uma reunião. As casas de grande porte, com centenas e até milhares de filiados devem se preocupar com isso por causa da complexidade da estrutura..." Presenciei aquele diálogo e vi a Mãe-de-Santo voltar ao planeta terra e seguir sua obra humildemente.

Mais recentemente, em conversa com um filho de santo que visitou várias casas nos últimos meses, fiquei sabendo que entre as casas visitadas estava um colégio de Umbanda e magia muito conhecido, que fica no bairro do Belém, em são Paulo. entusiasmado, perguntei:
 - E aí, como foi lá?
 - Pai... ma droga! - respondeu ele em tom sereno.
 - Por que?
 - A casa é grande demais, os visitantes nem podem presenciar a gira, partilhar das energias. Chegam na ante-sala e pegam uma senha para aguardar o chamado para o passe, de lá vão embora.

A conversa tomou outros rumos, mas depois refleti sobre o crescimento exagerado da obra umbandista. A Umbanda é uma religião de contato, de proximidade, é um lugar no espaço onde os aflitos podem sentir as energias se propagarem, podem dialogar com os mentores, lugar onde há um discurso para cada caso, onde há explicações para os problemas das pessoas. Crescimento demasiado gera impessoalidade. Não consigo imaginar o Portal dos Orixás com 800 filhos, gente entrando e saindo sem que eu saiba o nome, de onde vem, para onde vai e porque está na Umbanda. Sou feliz por conhecer cada filho e saber onde e quando afagar ou apertar o cinto deles.

A Umbanda enquanto árvore, tem a obrigação de dar frutos e se multiplicar, mas isso não quer dizer que deva crescer exageradamente. Ainda na metáfora da árvore, veja os eucaliptos como são grandes e sem graça. Agora imagine um bonsai japonês, pequenas árvores cultivadas nesse tamanho durante décadas, que mesmo nanicas florescem e dão frutos.

E então, sua casa é um bonsai ou um eucalipto?

Axé. 

28 de jun. de 2011

SIMPLICIDADE




Não me lembro da última vez que li um jornal de Umbanda, deve ter sido há uns dois anos atrás ou até menos. Fato é que assim que o abri fui tendo uma decepção atrás da outra, não apenas pela quantidade assustadora de anúncios que poluíam mais da metade do periódico, mas sim pela exagerada complexidade dos temas tanto dos anúncios quanto das matérias e artigos. As propagandas eram em sua maioria de cursos como "Tipologia dos símbolos ritualísticos da Nonagésima egrégora sagrada do santíssimo mistério umbandista" e "Magia transcendental da chama divina", ou anúncios de livros do tipo "Umbanda e a proto-síntese cósmica", enquanto os artigos giravam sobre temas como "As novas Sete Linhas de Umbanda em relação às espadas mágicas e os tronos do poder" e relatos auto-promocionais todos eles sobre as mesmas pessoas de toda edição seja do JUCA ou Jornal Umbanda Sagrada: Rubens Saraceni, SOUESP, FUGABC, Pai Varela, Alexandre Cumino etc. Eles escrevendo uns sobre os outros ou falando de si mesmos. São as celebridades da Umbanda. Todos eles com grandes escolas, ministrando cursos e formando Babalorixás, sempre com seu tom cada vez menos simplista.

Certa vez me dignei a comprar alguns livros sobre Umbanda para tentar ficar mais a par das novas tendências da religião. Comprei livros teóricos como "As Sete Linhas de Umbanda" e romances psicografados como "O Guardião da Meia-Noite", "O aprendiz Sete" e "O Cavaleiro da Estrela-Guia", todos de autoria de Rubens Saraceni. Cheguei à conclusão de que os livros de teoria não passavam de um vasto emaranhado de gráficos e teses numa tentativa frustrada de criar algum padrão na bela imperfeição e falta de lógica da evolução espiritual já abordada anteriormente neste blog e lançar uma nuvem de inconsistência sobre a visão simples da Umbanda e fazer com que seu repertório obscuro de tese seja aplaudido pelos leigos mais acanhados, na medida em que os romances de tão fantasiosos me levaram a crer que o autor adora jogos de RPG ou leu obras como "Drácula" e "Senhor dos Anéis" em demasia.

O que mais gosto na Umbanda e exatamente o contrário proposto por esse corrente graúda e, felizmente, ainda não majoritária: a simplicidade com que as coisas acontecem. como umas poucas palavras são capazes de tocar fundo no coração de alguém que precise, como uns poucos elementos fazem a diferença - o caso de uma simples vela acesa, defumar o ambiente, tocar os atabaques - e a sua faculdade agregadora e ao mesmo tempo minimalista. Isso é tão lindo e me dói saber que há o risco de se perder.

Não sou do tipo que prega a queima de livros, mas me esforço muito para que os fiéis busquem os ensinamentos diretamente na fonte mais confiável: os Orixás vivos dentro de si. É difícil extrair conhecimento das coisas simples da vida e mais cômodo ler e absorver informação já digerida por outros, contudo é mais recompensador olhar uma situação e refletir sobre ela, ter sua mente e espírito iluminado pelo conhecimento em formação.

Em tempo: confesso que no momento que alguém me afirmou que o Rubens é o Papa da Umbanda, falei um palavrão.


Axé!

17 de jun. de 2011

TROCANDO AS GUIAS



Amanhã celebraremos Xangô, o Orixá da justiça, do equilíbrio entre o que é devedor e o que é credor. Confesso que morro de medo dele e do que ele representa, porque não sou hipócrita ao ponto de dizer que mereço tudo o que tenho, que a vida é justa comigo. Muito pelo contrário: acho que Zambi - Deus, Alá, O Universo, GADU etc. - foi bem generoso comigo nos últimos anos. Mas isso é outro assunto...

Fato é que apesar de meu medo, pelo posto que me foi outorgado Xangô se faz presente ao meu lado. Afinal de contas sou eu que devo arbitrar sobre as divergências na casa, apaziguá-las e manter o templo em ordem, dando a quem merece e cobrando de quem deve. É duro isso, exige de mim maturidade que eu mesmo pensava não ter.

Um dos temas mais delicados que cercam minha tarefa é a transição dos fios de conta (guias), pois em nossa casa elas representam o preparo mediúnico do fiel. Esta graduação vai das miçangas mais finas (miçanguinhas), passando pelas miçangas grossas, contas de porcelana, de cristal, brajás de três fios (nível de padrinhagem) e de sete fios (para chefes de terreiro). esta transição deve ser pautada pela meritocracia, não por motivos políticos, contudo é no momento em que um irmão alcança um grau elevado que outros começam a questionar sobre o tempo de casa, proximidade dele com membros da padrinhagem etc. A nuvem da desconfiança nubla o ambiente e as conversinhas maliciosas começam a dominar a cozinha do templo e os encontros sociais entre membros da corrente fora dos dias de gira. Com isso mais uma vez o foco exigido do fiel é desvirtuado, me deixando pasmo como um adorno colorido pode causar tamanha discórdia.

Graças a esse fenômeno que não é raro nos templos, resolvi cessara as transições momentaneamente, impondo um grau de exigência muito maior para a graduação. Com a paralisação a esperança é que a moda de trocar de guias passe e o foco no imaterial volte, que todos lembrem que são irmãos e iguais perante Zambi. E que aumentar de guia não significa status, significa que quando a dificultade se fazer presente o graduado será cobrado antes dos outros, que ele ganhará menos afagos pois terá a obrigação de evoluir sua consciência e se tornar um distribuidor de carinhos a quem necessita.

Uma guia maior é um voto de confiança, é mais uma página do contrato que assinamos ao entrar para um terreiro. Mais cláusulas, mais cobranças.

Sinto falta de minhas guias finas, minhas costas doíam menos...

Axé.

6 de jun. de 2011

NÃO SOU ESCRAVO



Umbanda é doação, claro, mas qual o limite disso? Doar é caridade e fora da caridade não há salvação, contudo precisamos mensurar o que doamos e qual o teor de beneficência dessas doações. ao fazermos algo pelo próximo ele se tornará agradecido e mais feliz e tão logo precise vai retornar à fonte de caridade. Isso se  essa caridade não não for construtivista - fato mais comum.

Caridade construtiva é aquela que ensina uma lição, que dá motivação transformadora ao necessitado e o ajuda a vencer as provações. O intuito disso tudo é criar auto suficiência da pessoa, é a velha história de ensinar a pescar, em vez de dar o peixe. Já comentei em outro post sobre pessoas viciadas em pedidos e consultas e o mal que geram a si. Também já falei várias vezes que minha Mãe de Santo está de certa forma licenciada da casa por motivos de agenda. Acontece que nos últimos dias pessoas foram até ela vociferar, intimá-la voltar para o terreiro pois precisavam falar com um ou mais Orixás que nela aportam. Achei aquilo um crime, uma ingratidão sem tamanho e ato e horrenda mesquinhez, pessoas que não se importam com as necessidades dos outros, que tem visão fixada apenas em si e em suas vontades, que não tiveram a mínima sensibilidade para notar que o Orixá necessita de um corpo físico para incorporar e que essa pessoa - esse médium - pode ter uma infinidade de problemas durante sua vida. A coisa mais normal do mundo. Todavia alguns desses problemas podem impedi-lo temporariamente de praticar a incorporação, mas JAMAIS a caridade.

Fiquei pensando se eu aguentaria ver e ouvir certas coisas de pessoas que amo, das pessoas pelas quais jurei me dedicar. Provavelmente eu começaria a pesar o merecimento de cada uma em relação ao tempo que dedico ao desenvolvimento mediúnico - prática da qual eles são os grandes beneficiários. Não que eu me ache no direito de regular quanto tempo cada um pode passar em consulta com uma entidade, mas isso é uma questão de soberania de minha pessoa sobre a minha própria vida e todo o resto do mundo, tenho o direito de decidir que tempo posso dedicar à vida de dirigente de terreiro, aos meus problemas pessoais, à minha vida profissional, faculdade, família etc. Seria inadmissível alguém chegar até mim e me julgar por eu não incorporar na hora que todos desejam. Se Deus quisesse que algum Orixá ficasse com o poder do meu corpo a todo instante, Ele teria ordenado que esse Orixá encarnasse em meu lugar, não é verdade? Temos muito mais o que fazer em sã consciência do que em transe.

Posso incorporar sim, mas somente no terreiro. O Portal dos Orixás abre as suas portas a cada 21 dias das 20:30 em diante, nesse período sou todo de vocês.

Axé.

26 de mai. de 2011

BATEU UM MEDO...



Serei sincero como nunca fui: estou ansioso e com medo. Sábado tem festa de Pretos-Velhos no terreiro que co-dirijo, já perdi as contas de quantas festas dessas eu participei, inclusive chefiando os trabalhos como acontecerá neste dia 28/5/11, contudo dessa vez eu vivo um grande e doloroso dejà-vu. Há três anos o destino agiu de forma incerta e fez com que eu, pela primeira vez, chefiasse os trabalhos por tempo indeterminado. Não titubeei e assumi a bronca, minha Mãe-de-Santo havia se licenciado de forma controversa após a festa de caboclos, os fiéis começavam a se rebelar, a abrir suas casas sem o menor preparo e me vi forçado a tomar algumas atitudes severas, cortando a própria carne, expulsando alguns filhos da corrente. Eram épocas conturbadas, obscuras.

Segui firme por várias giras, atravessei a quaresma e unifiquei o que sobrou do rebanho, entretanto havia uma ponta solta fundamental: não estava alinhado com a dirigente superior - e licenciada - da casa. A festa de Ogum, de Ciganos e Pratos-Velhos, os descarregos e passes foram maravilhosos nesse período, ministrávamos aulas sobre espiritismo em parcerias com centros kardecistas, após os trabalhos sempre rolavam agradáveis conversas, mas ainda faltava o alinhamento a que me referi no post passado. A Mãe-de-Santo e eu não partilhávamos das mesmas ideias e havia uma aura de substituição dela por mim, algo velado que ninguém ousava falar e eu não consegui perceber.

Na festa de Xangô, em Junho, ela enfim voltou. Brigamos e só não abandonei tudo porque sempre fui leal aos princípios que prego: meu compromisso é com os que necessitam e necessitarão de ajuda, nenhuma outra pessoa ou Orixá me desviaria disso. Recolhi meus cacos e segui firme. Sangrando, mas ainda de pé. Esta rusga mim e ela perdurou silenciosa até pouco tempo, uma pequena bomba sempre ameaçando explodir, algo como uma velha cicatriz que sempre dói em dias frios.

Mas o tempo é o senhor da razão, ele nos faz mudar nossa maneira de pensar e agir. Paramos para pensar e notamos que além de dividir uma casa, partilhamos o mesmo sangue e criação, somos exemplos para pessoas com o dobro de nossa idade e isso é algo infinitamente maior do que qualquer vaidade. Todavia revivo no calendário os mesmos momentos que passei há três anos, porém com a grande diferença: estamos todos em paz.

Meu medo? A Mãe-de-Santo nos visitará depois de meses sem poder fazer isso e quero que tudo saia perfeitamente bem. É um medo justificável de quem quer ser o orgulho da família.

Axé.

17 de mai. de 2011

SIMBIOSE




Podem comparar a função de Pai-de-Santo a qualquer uma: professor, guru, conselheiro, educador etc. mas nenhuma serve tão bem quanto a função de pai. O terreiro é como se fosse uma casa, com pai, mãe, irmãos, padrinhos, afilhados, visitantes, parentes entre outros. Deve ser administrado como tal, com sua hierarquia bem definida, afinal de contas em toda casa há alguém que manda seja o pai ou a mãe. Quem aqui nunca ficou confuso quando criança e pediu algo para o pai e obteve a resposta "Peça para sua mãe", foi até a mãe e ouviu "peça para seu pai", não é? No terreiro é a mesma coisa, por mais que haja cargos similares como de Pai-Pequeno e Padrinhos ou Mãe e Pai-de-Santo, há sempre um que dá a última palavra em todos os assuntos, por mais que possa delegar autoridade quase irrestrita aos demais. A relação entre os dirigentes deve ser de harmônica simbiose, a comunicação precisa ser clara e direta para que não haja temores na tomada de decisões quando da ausência de um dos membros, em especial o grão-responsável pela casa. Por mais que os dirigentes possam vir a ter visões diferentes sobre a condução do rebanho, devem se lembrar de que todos foram escolhidos por entes superiores, pelos Sagrados Orixás que confiam na capacidade de cada um deles e sabem que suas visões embora aparentemente divergentes irão convergir mais adiante pelo bem da religião e graças ao amor que todos tem pela causa a qual se entregaram.

No terreiro que co-dirijo (não estou no degrau mais alto da hierarquia, por mais que temporariamente seja eu o responsável por puxar a gira) sou conhecido por ser um pouco duro e por não dar brechas para relaxos dos fiéis, ao passo que a Mãe-de Santo é conhecida por sua doçura de menina, o que que acarretou durante algumas passagens de nossas vidas certas faíscas entre nós, porém agora que estou encabeçando as giras sem a presença (mais do que sentida) da dirigente maior do templo eu passei a perceber a lacuna deixada pela doçura de minha Mãe-de-Santo. Isso não quer dizer que eu tenha abandonado minhas posturas, mas não sou completo, nem ela. ninguém é. Me sinto desnudo ao abrir uma gira sem no mínimo o Padrinho ao meu lado. Éramos quatro inseparáveis há quase uma década atrás, hoje infelizmente nossa Madrinha se foi, está tocando outras missões em sua trilha, mas a simbiose entre os que restaram continua, precisa continuar por mais que os entendimentos sejam diferentes a missão é a mesma, o amor é o mesmo.

Sem a doçura de Mãe Raquel e a simplicidade de Padrinho Peninha, eu sou apenas dureza. Nada mais.

Axé.

4 de mai. de 2011

LÓGICA


Não há lógica na Umbanda.e esse é o pulo do gato, afinal de contas a Umbanda é natureza que por sua vez não tem nada de lógica ou racional, não permite previsões precisas por mais que nos esforcemos. Temos a mania de querer se antecipar às coisas, olhar para trás e tentar definir um padrão para os acontecimentos afim de arriscar os futuro. Na Umbanda não acontece isso, assim como não se prevê onde e qual a escala de um terremoto, não se pode prever quanto tempo um médium levará para se tornar auto-suficiente - isso se um dia ele conseguir isso. A chave da coisa é apenas viver.

Um terreiro é de certa forma uma escola, claro, mas uma escola para vida e não um centro formador de sacerdotes. Não há um plano de carreira no qual você se tornará cambone durante um período e depois começará a girar por determinado espaço de tempo para que em seguida seu orixá fale, beba, fume, dê passes até vencer o prazo para que o fiel integre a padrinhagem e se prepare para abrir sua própria casa. Erro de quem entre num terreiro pensando isso, de quem encara a administração de um templo como se fosse uma empresa, distribuindo cargos para motivar ou conter os ânimos dos descontentes. a função do terreiro - já disse - é formar pessoas, não sacerdotes.

Há, claro, quem seja predestinado a receber das mãos da vida o cajado e reunir um rebanho, mas estes são raros e para eles nutro um misto de pena e orgulho, pois a missão é dura e flagelante, deve-se abdicar de muitas coisas ditas doces e aceitar muitas outras ditas amargas, assim crescemos fortes no desconforto enquanto confortamos o próximo, apanhamos, somos obrigados a ver filhos virtuosos indo embora enquanto seguramos o choro para não demonstrar fraqueza aos rebentos mais jovens, recém ingressados. Me orgulho de quem aceita o cajado, esses sim fazem estadia no templo para desenvolver suas aptidões, se fortalecer e provar seu valor, mas são tão poucos...

Entre no templo, entre para a Umbanda com o propósito de ser mais um. Só isso. Você não é super herói e não vai fazer história, não vencerá demandas sozinho. Você é só um peixinho no cardume e isso é a coisa mais bela na Umbanda: o conjunto.

Certa vez o Sr. Exú Coroado disse: "O terreiro é uma árvore, nela a Mãe-de-Santo é o tronco que sustenta os galhos, que são os padrinhos, que seguram as folhas e frutos representados pelos médiuns. Quem recebe a luz do sol para alimentar a árvore são as folhas, os poucos frutos sadios cairão no chão e semearão para nascer novas árvores. Cuide dos seus galhos, cuide das suas folhas, cuide dos seus frutos".

Sou galho graças a Deus!

29 de abr. de 2011

DIFICULTANDO AS COISAS




Sim eu dificulto. Não, eu não sou sádico.

Apenas acredito que é sob as condições mais adversas que os talentos nascem, que as pessoas mostram seu valor. E no terreiro não é diferente, afinal ali são travadas grandes batalhas pelo bem geral que infelizmente não podemos ver e obter maior compreensão. No terreiro vemos apenas a "marionete", o médium sendo controlado pelos espíritos, ouvimos a voz do interlocutor, não a do benfeitor, mas se vamos de coração aberto e com foco no bem a ser praticado podemos sentir o que acontece, as energias fluindo no ambiente.

Como médium eu fui criado na base da porrada, tem ter hora marcada para gira, sem atabaque, sem defumação, sem templo, sem roupa branca, somente a Mãe de Santo, a fé, dois irmãos (hoje padrinho e madrinha da casa) e pessoas que nos recebiam em seus lares. Quando por muito tínhamos uma vela, um copo d'água e uma cadeira como altar. Aprendi a receber as entidades sem precisar da maioria dos fundamentos, apenas com a concentração e fé em Deus, segurávamos a gira no canto e nas palmas por horas a fio sem cansar porque sabíamos da importância do canto e do trabalho que sustentávamos para os orixás presentes. A caridade era feita, isso que importava. O ser em detrimento do ter ou do parecer.

Não que eu ache que os fundamentos de uma casa sejam desnecessários, muito pelo contrário, eles são sim e muito! São a segurança da gira, com eles o risco de acontecer algo grave é muito maior e no templo não abro mão dos fundamentos, mas me esforço em mostrar que não dependemos apenas disso para trabalhar, porque uma hora surgirá uma grande necessidade de iniciar uma sessão num local aparentemente desprotegido e o que o fiel fará? Vai sair correndo? E se a demanda for maior e os fundamentos não forem suficientes? O médium perecerá? Por isso o preparo em condições adversas, para fazer do fiel uma consciência forte, inabalável.

Digo e repito: a coisa mais idiota que já ouvi de um médium foi a frase "Meu guia não vem sem a roupa dele...". O guia não precisa de roupa, precisa de você e de sua fé e concentração para servir como ponte. quanto maior a fé e concentração (equilibrados) mais fluída será a estrada entre o astral e a coroa do médium e mais belo e seguro será o desenrolar da gira. Médiuns que perdem o foco no binômio fé/concentração são aqueles que podem até incorporar de forma bela, mas não tem controle sobre qual espírito se vale de sua coroa (se é bom ou mau) e nem a situação em que cederá seu corpo a um ente do astral, são pessoas assim que vasculham casas de produtos religiosos atrás de imagens com nomes dos orixás, que se deixam levar pela densa aura de um descarrego e penam para voltar a si, são pessoas que vão à gira quando bem entendem ignorando o porque de estarem ali.

Médium bom não é aquele que incorpora bonito, é aquele que se dedica à religião e à caridade.

Axé.

25 de abr. de 2011

VOU SER COBRADO?



A Dinâmica da fidelidade umbandista é algo curioso de se estudar, principalmente porque o grande erro do ingressado é seu foco. A grande maioria dos fiéis que conheço entram para a corrente por causas pessoais, entram por si, na esperança de resolver seus problemas familiares, pessoais e amorosos. Ou pior: acham que estar de branco "do outro lado da cerca" dá status, é bonito de se ver, poderão falar aos amigos que recebem em si espíritos, botarão medo neles...

Entrar para um terreiro é uma demonstração de fé como qualquer outra, a mesma demonstração dos monges, das freiras enclausuradas, dos pastores evangélicos, enfim de todo religioso. O fiel está lá para doar. Para se doar. Ao assumir a condição de médium umbandista a pessoa sela um compromisso com o próximo, com pessoas que nunca viu e possivelmente não verá em muitos anos, o fiel torna-se uma engrenagem numa complexa estrutura que move o mundo rumo aos patamares mais elevados da espiritualidade. A partir do instante em que é tomada a decisão de fazer parte da corrente e iniciar o desenvolvimento mediúnico, os guias espirituais começam a trabalhar no astral para que os necessitados encontrem o caminho até a fonte de caridade  espiritual que vibra na terra através dos templos e de seus médiuns.

É uma decisão muito complicada e deve ser tomada de forma sensata e criteriosa, o fiel deve ser alertado dos procedimentos e das condutas inerentes à nova missão assumida e certamente será cobrado por seus desvios, tanto por seus tutores na terra (Dirigentes Espirituais), quanto por seus mentores astrais.

Este é o grande ruído que impede o pleno progresso da consciência umbandista, o foco dos fieis estão nos benefícios pessoais em se tornarem ferramentas da evolução, pensam que ao ajudar seus problemas serão resolvidos, sendo que ajudar o próximo com vistas aos louros e tesouros frutos dos bens prestados não é caridade. E vale lembrar que Jesus disse "fora da caridade não há salvação".

O resultado disso são fiéis decepcionados com com  o estado estacionário de suas vidas, com a mesmice dentro do terreiro, com o fato de seus amigos não se espantarem mais por sua condição de médium e sua popularidade e status caírem por terra. Com isso o interesse pela religião se reduz e o fiel se afasta da obra e não honra seu compromisso, e todo aquele trabalho realizado no astral para ajudar os sofredores se perde.

Assumimos um compromisso com o mundo. Se somos glorificados pelo bem que fazemos, é compreensível que sejamos cobrados por dar as costas a quem necessita.

Axé.

14 de abr. de 2011

FAZENDO PEDIDOS



Até que ponto devemos reportar aos espíritos o que se passa em nossa vida? Qual o limite para a interferência espiritual em nosso cotidiano? A resposta mais acertada seria não há limites. Isso porque os bons espíritos vem ao nosso plano para nos ajudar em nossas necessidades e iluminar nosso caminho rumo à evolução. O limite em questão deve ser imposto ao fiel, não aos Orixás.

Conheço pessoas que afirmam não dar um passo na vida sem consultar um guia espiritual para saber qual a melhor atitude. Será mesmo necessário? Deus nos deu a capacidade de escolher nosso caminho e colher os louros de nossas vitórias ou amargar as derrotas, tudo com o propósito do aprendizado. A vida me ensinou que são os erros que nos ensinam melhor, porque a consciência humana funciona na base da comparação negativa, ou seja, é necessário perdermos para dar o devido valor ao que um dia tivemos. Se apenas acertarmos, as conquistas não serão tão valorizadas. É o que diz o velho ditado "É preciso chegar ao inferno para se dar conta que esteve no paraíso".

Fora o fato de que acertar vicia e gera comodismo e as consultas que geralmente se iniciam com grandes necessidades de paz, descanso, harmonia, acabam migrando para efêmeros desejos como dinheiro, afastar alguém do caminho e até coisas mais mesquinhas e impróprias que não convém abordar neste texto. O grande mal disso está em tomar o tempo não apenas da entidade, mas sim do próximo que realmente tem problemas mais dignos a resolver. Isso é negligenciar a real caridade, é fazer do egoísmo uma barreira ao progresso do outro.

Cada um tem seu caminho a trilhar com as próprias pernas, assim poderá realmente aprender. Pessoas que consultam as entidades a cada passo que terá de dar, não sentirão o gosto de fazer algo 100% com suas mãos, tornam-se dependentes e cegas aos benefícios das batalhas da vida. E ainda chegam ao cúmulo de culpar os Orixás por algum eventual passo errado que a própria pessoa vier a dar, acusando os bons espíritos por não terem avisado sobre o perigo. Parece um absurdo, mas são coisas que vejo por aí. O ser humano tem como reação ao fracasso o ato de negar-se o ônus da culpa, transferindo-a para quem estiver mais próximo na história, mesmo que seja um amigo espiritual.

O fato de o fiel entrar para a corrente ou simplesmente recorrer a uma entidade de luz sobre seus problemas não significa que nada dará errado. muito pelo contrário, se algo tiver de dar errado, certamente acontecerá, pois os guias espirituais são corrimões  nos guiar no caminho e não escudos que impedirão que algo de ruim aconteça. Se acontecer, reflita, aprenda com o fracasso e ficará bem mais forte. Certa vez Sr. Marabô me disse: "O amor nos dá a base, é o nosso alicerce, ao passo que a dor molda nosso caráter. O que definirá se o fruto da derrota será doce ou amargo é a nossa capacidade de aprender com a queda."

E cá entre nós, errar e aprender é muito mais divertido.

Axé.

8 de abr. de 2011

TÁ FIRME, FILHO?



Acho que nunca ouvi um termo tão amplo e passível de confusão quanto "Firmeza de Cabeça". Há que o ligue a rituais, posturas ou até mesmo um estado de espírito. O chamado estar firme na gira, ou não.

Para mim firmeza de cabeça é um condição do fiel, feita a base de treino. Simples assim. Firmeza de cabeça, trocando em miúdos, é saber abrir e - principalmente - fechar as portas de sua coroa nos momentos certos, evitando constrangimento e até situações perigosas, posto que há no mundo espíritos bons e ruins, tal qual há pessoas boas e ruins também. O médium deve saber o momento certo de receber os bons espíritos e este momento é obviamente em seu templo, sob a supervisão de seu zelador espiritual. fora estas situações eu não aconselho a nenhum médium em desenvolvimento (vale lembrar que estamos TODOS em desenvolvimento) a sair por aí dando vazão aos anseios de incorporar não importando onde esteja. É fato que incorporar é muito bom, nos sentimos em paz e renovados quando o orixá se vai, e fato também que a todo momento alguém necessitado e que sabe de nossa mediunidade aparece pedindo uma consulta ou algo similar e quase sempre ficamos com o coração partido querendo ajudar. Mas há milhares de formas dos espíritos se manifestarem em nossas vidas além da incorporação, pensem nisso.

A habilidade de fechar as portas da coroa é essencial ao bom médium tanto para a sua segurança quanto para a segurança da gira e dos assistidos numa eventual consulta, pois os maus espíritos estão a todo momento circulando a procura de fragilidades das pessoas, como rancor, vaidade e baixa firmeza. Se valem desses defeitos para fazer suas maldades. Caso muito sério.

Por isso digo que mais vale para a força da gira o fiel que custa a receber em si os espíritos por medo destas influências, do que aqueles que esfregam as mãos ávidos incorporar algum espírito sem se preocupar se ele é bom ou não. médium sem firmeza pode até ter um desenvolvimento mais rápido quanto à forma (os guias falam mais, giram menos etc.), mas em relação ao conteúdo eles falham. São os primeiros a cair na gira e também os primeiros a sair dela, enfraquecendo a corrente e deixando-a exposta. 

Por menos que o orixá incorporado fale, mesmo que ele apenas gire, é certo que cabe a ele e aos demais em mesma condição a sustentação da força da gira, garantindo a segurança dos trabalhos, dos passes e das consultas em execução pelos orixás desenvolvidos.

Axé.