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18 de dez. de 2014

Natal e Ano Novo na Umbanda

É a hora dos umbandistas pularem sete ondas?
Muitas pessoas me perguntam sobre as comemorações de Natal e Ano Novo dos umbandistas. Nós devemos fazer algo especial nestas datas? Afinal, o Natal, que celebra o nascimento (data não confirmada) de Jesus Cristo, deve ser celebrado por quem frequenta a Umbanda?

Antes de responder a esta pergunta, devemos nos questionar se a Umbanda é uma religião cristã. A resposta é: SIM, nós somos cristãos e eu defendo meu ponto de vista aqui neste texto sobre Jesus.

Respondido isso, vem a grande pergunta:

Temos que fazer algum ritual especial no Natal?
Não. Está certo que cada casa tem a sua liturgia própria (e eu amo a Umbanda por isso), mas em minha casa e também nas casas que conheço não há nenhum ritual de Natal ou de passagem de ano. Há sim os rituais de encerramento do ano do terreiro, ou seja, após a última gira do ano cada terreiro tem seu procedimento para fechar a coroa dos médiuns para que eles façam um recesso digno e possam descansar melhor afim de voltarem plenos para as giras do ano seguinte. Contudo não há nada específico para o Natal e a virada do ano.

O que recomendamos é que todos dediquem momentos de sua vida nestes dias para oração em prol dos irmãos necessitados de luz, que levem a cabo os ensinamentos de Jesus Cristo e continuem praticando a caridade, que ajudem o próximo. Natal é uma data de alegria, então por que não fazer a alegria de alguém que esteja em um momento de aflição?

No ano novo cada um tem seus rituais como comer lentilha, pular sete ondas, usar calcinha amarela para chamar dinheiro ou cueca vermelha para atrair paixões, mas na Umbanda não há, novamente, nada especial para esta ocasião. Minha recomendação é que vocês separem algumas horas do seu dia para ficarem a sós consigo mesmos e refletir sobre o ano que passou, os bons e maus passos, sobre tudo aquilo que vocês deviam mantar ou se livrar no próximo ano. Novamente, ore para seus orixás e agradeça por estarem vivos e prontos para as batalhas que virão, peçam força para ajudar o próximo.

Se puderem, mantenham acesas as chamas de seu altar, tomem banhos de ervas (boldo é uma ótima pedida, por ser a erva de Oxalá).

E sejam felizes! 

19 de nov. de 2014

O Livro Sagrado da Umbanda


Não sei se vocês concordam comigo, mas uma das características que tornam a Umbanda bela é a sua liberdade de ser. Isso se dá porque nós umbandistas não temos um livro sagrado como a Bíblia o Al Corão ou Torá, embora sigamos vários preceitos cristãos ("Amai a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo" é um deles e talvez o mais importante).

Além de não possuirmos escrituras sagradas, também não contamos com um representante supremo, como o Papa ou Dalai Lama, por exemplo, para ditar os rumos de nossa religião. Essa inexistência de um código ou soberano para balizar o caminho evolutivo da Umbanda a torna uma joia rara dentre as religiões contemporâneas espíritas, porque assim podemos caminhar sob a égide mista dos ensinamentos do astral superior que nos são trazidos através das entidades que se manifestam nas giras.

Além de contar com a voz dos Guias como força motriz, outro fator importantíssimo para a nossa caminhada religiosa é a compreensão dos conselhos recebidos do Astral e, mais importante ainda, o emprego disso tudo, ou seja, tornar em ação os conselhos recebidos. 

Além de absorver, compreender e transformar em ação os conselhos e ensinamentos, o passo seguinte é o desdobramento disso tuto. Em outras palavras, a geração de conhecimento por parte do indivíduo. Se você já tem em si a semente plantada pelos Mentores Espirituais e pratica o amor e a caridade, já está apto a se tornar peça mais ativa da evolução do conhecimento, mas sempre mantendo a humildade ou então você poderá correr o risco de ser tomado pela vaidade ou arrogância de muitos autores e/ou sacerdotes umbandistas que decidiram decodificar a Umbanda ao seu próprio modo, assumindo a responsabilidade de quem julga falar em nome de toda a religião. O que é um erro.

Eu já havia dito aqui que a Umbanda é como uma nuvem, ou seja, ela é mutável e pulverizada, mas percebida por seu volume enquanto suas partículas se movem unidas em uma mesma direção. Contudo, a partir do momento em que um autor (ou conjunto deles) a decodifica, eles outorgam a si uma autoridade que não conquistaram, além de negar as pequenas realidades e ensinamentos de cada terreiro. O que acontece em seguida é que essas novas decodificações tem eco entre sacerdotes menos sólidos em seus conceitos e tradições, que simplesmente abandonam tudo aquilo que lhes foi ensinado diretamente do Astral Superior e passam a se guiar por um livro que acabou de sair da gráfica. Com isso, todo o trabalho de repasse de inteligência a partir das entidades de luz é perdido.

Outro fato interessante que vale a atenção do leitor destes livros é que essas novas decodificações estão ficando cada vez mais complexas e menos espaçadas entre si. Só nos últimos 10 anos foram ao menos 4 delas, o que reflete não uma mera busca por respostas e elucidações, mas sim pelo poder trazido pela detenção do conhecimento. Uma vez que eu pego algo simples e leve como a Umbanda e a transformo em um complexo emaranhado de gráficos acadêmicos, me torno o detentor daquelas respostas, sou o dono do conhecimento. E conhecimento é poder que só compartilharei com quem comprar os livros e cursos que apenas eu sei ministrar.

Irmãos, o Livro Sagrado da Umbanda está dentro de cada um de nós, basta termos olhos suficientemente abertos e a mente limpa para podermos lê-lo.

Pensem nisso.

25 de set. de 2014

Hábitos a abandonar: os agradecimentos materiais

Quer agradecer? Apenas volte ao terreiro e diga "Obrigado". Depois vá praticar a caridade.
Olá irmãos de fé, como estão? Hoje retornarei aos hábitos que todos nós, umbandistas, devemos abandonar imediatamente.

Recentemente falamos sobre o fator de troca, o hábito de oferecermos algo aos orixás para conseguirmos algo. Hoje vamos desdobrar este tema.

Os agradecimentos materiais
Pode soar como parecido com o item anterior, mas neste caso as pessoas se sentiam tão agradecidas pelas graças alcançadas, que enchiam as entidades de presentes como roupas, adereços, ferramentas, comidas e bebidas. Vão toda semana às casa de produtos de Umbanda para comprar uma guia nova para a entidade, mandam costurar uma saia nova, compram uísque do bom, tudo para mostrar o quão agradecidas elas são. 

Isso era algo que eu fazia muito, até que aprendi que o melhor agradecimento que uma entidade pode receber é a sua oração ou seu retorno ao templo para lhe dizer "Muito obrigado". Melhor ainda: agradeça aos Guias replicando as palavras de amor e os gestos de caridade que eles lhes ensinam.

Volto a dizer aqui que as entidades não precisam de seu dinheiro ou de seus presentes para fazer algo de bom em sua vida. Há, claro, momentos em que são necessárias algumas intervenções físicas, como oferendas, banhos, defumações etc., mas isto faz parte do processo de intervenção espiritual, jamais algo cujo qual a graça não pode ser alcançada. e vale lembrar também que, no caso de oferendas, defumações e banhos, as entidades recomendam os materiais que você deve encontrar e jamais cobram a mão de obra ou lhe vendem os itens.

Voltando aos agradecimentos, é natural que queiramos mostrar a nossa gratidão e de de alguma forma tentemos devolver aos nossos benfeitores os favores concedidos. Só que dar dinheiro, fios de conta, roupas etc. não irão gerar equilíbrio nenhum neste processo, uma vez que eles lhes forneceram amor e é com isso que você deve responder.

Na umbanda não há troca, temos sim uma corrente, ou seja, você não deve devolver a caridade que lhe foi feita, apenas repassá-la para o próximo irmão. E o que a Umbanda nos dá, que devemos repassar? Amor, luz, um caminho a seguir, a caridade... é isso que devemos distribuir com o mesmo empenho que recebemos.

Quer agradecer uma ajuda que conquistou no terreiro? Ajude o próximo.

Simples assim.

1 de set. de 2014

Hábitos para abandonar: o fator de troca

Fora da caridade não há salvação: imagine se Jesus só curasse depois de receber um presentinho? 

Olá irmãos de fé! Nos próximos textos, vamos falar de alguns hábitos que nós, umbandistas, devemos abandonar imediatamente. Vamos ao primeiro deles:

O fator de troca

Quando reencontrei a Umbanda, há dez anos, nos terreiros em que eu ia visitar (e até o que eu ajudei a fundar) havia a cultura da troca, na qual o sujeito chegava no Guia e dizia, por exemplo, "Marinheiro, te dou um peixe assado se você me ajudar a arrumar aquele emprego" ou "Pombogira, se a comadre tirar aquela mulher da minha vida, vou te trazer 7 champanhas e uma dúzia de rosas". As pessoas compravam a ajuda das entidades, parte como uma forma de mostrar todo o seu apreço por elas e parte como forma de se esquivar do desafio de ir colocar a mão na massa, de agir como responsáveis por suas próprias vidas. Eu já fiz muito disso, porque é mais fácil recorrer aos Guias em cada dúvida que nos surge do que pararmos para pensar as causas dos problemas e suas possíveis soluções.

Certa vez, enquanto eu discutia esse assunto com uma pessoa que frequentava o terreiro, ela disse "Eu gosto de presentear os guias, não poupo esforços com isso, ainda mais se for para eles me darem uma ajuda em algo que preciso muito". Tudo bem, eu entendo a gratidão, mas o agradecimento, por lógica, vem depois do "milagre" feito, não é mesmo?

Entendam a minha lógica:
  1. E presente é algo dado sem esperar nada em troca;
  2. Se esperamos algum retorno, então é investimento;
  3. Se investimos, pagamos;
  4. Se há pagamento, não é caridade;
  5. Se não há caridade, não é Umbanda;
  6. Sem caridade não há salvação.
Acho que assim ficou mais clara a minha forma de pensar.

Outra coisa: por favor não confundam um presente, um pagamento, um donativo, com material para algum trabalho ou oferenda. Estes são sempre solicitados pelos Guias e fazem parte do processo de ajuste cármico e das energias inerentes àquela causa. Nunca devem ser solicitados como pagamento pelos serviços prestados pelas entidades ou oferecidos para que os espíritos concedam este ou aquele favor à pessoa em questão.

Material de trabalho é uma coisa, oferenda é outra e são justificáveis, desde que proporcionais ao desafio que a causa representa, respeitando sempre as condições financeiras dos envolvidos e sua capacidade de entender a situação envolvida.

Vale lembrar também que os Guias e Orixás não precisam de presentes além de sua fé e de seu coração aberto, da sua alegria em estar ali. Um pedido sincero valo mais que ouro, um agradecimento é mais precioso que qualquer joia.

Lembrem-se de que, na Umbanda, menos é mais.

discorda? Tem alguma sugestão? Deixe nos comentários!

18 de ago. de 2014

Fios de conta são sinônimo de poder?



Em Fevereiro deste ano eu completei 10 anos de meu reencontro com a Umbanda e, não a toa, ela continua me ensinando coisas sobre a vida das mais diversas maneiras e a minha descoberta mais recente veio através de um comentário em meu vídeo no Youtube sobre a chagada do Sr. Zé Pelintra no terreiro, em 2010, durante nossa festa de Pretos Velhos. Não foi o vídeo em si que me revelou algo, mas um comentário de um usuário, que me indagou sobre a quantidade de guias (fios de conta) em meu pescoço e se isso me tornava mais poderoso. Revi o vídeo e, de fato, havia ali uma porção de fios de conta, foi o que bastou para uma viagem ao passado...

Quanto mais guias, maior o poder do médium?

Me lembrei que uma das primeiras coisas que fiz quando comecei a me desenvolver foi comprar os materiais meus fios de conta, eu queria um para cada Orixá. Por mais que minha Mãe de Santo dissesse que apenas uma guia de sete linhas me bastaria, eu queria agradar a todos os guias. Fiz as coloridas, comprei uma de coquinho para o baiano, uma de olho de boi (semente) para o boiadeiro e um rosário de madeira  - enorme, diga-se - para o preto velho, eu também tinha uma grossa guia de palha que dei ao Sr. Omolu. Eu ficava me olhando no espelho com elas, as cruzava no peito pela esquerda, pela direita, em X também. Me achava bonito com aqueles fios. Perdi a conta das vezes em que eles bateram na cara de alguém enquanto algum Guia girava pelo salão, eram muitas guias em meu pescoço.

Quando virei Pai-Pequeno na casa e comecei a usar os brajás de três fios, mantive a mesma quantidade em meu pescoço. Só que com os estudos e as porradas que a vida me deu, fui me desapegando daquilo tudo. Na medida em que eu ia me dando conta de que as orações sinceras e meu amor pelos Orixás eram mais fortes do que as ferramentas que eu lhes oferecia, fui perdendo o apreço pelos materiais e cheguei à conclusão de que aqueles fios de conta eram, na verdade, meus e não dos Mentores. Eram uma forma de eu me destacar na multidão, de me sentir único e especial dentre meus irmãos. Vaidade pura.

Voltei a olhar o vídeo e vi que aquele pescoço cheio de fios de conta, hoje só tem três: um branco para Oxalá, um branco e vermelho utilizado pelo Sr. Zé Pelintra e um do Pereira, azul e branco como ele gosta. Em giras de esquerda eu uso um preto, do Sr. Marabô e um preto e vermelho, do Sr. Coroado. Nada além disso e me sinto muito melhor comigo mesmo do que há 5, 10 anos.

Quando me livrei do desejo de ser especial, passei a me preocupar mais com o imaterial, com aquilo que minha alma levará daqui para a eternidade e com o legado moral que deixarei aos meus filhos e amigos. e é isso o que realmente importa, não é? O conteúdo acima da forma, o propósito precedendo o processo. a mensagem se sobressaindo em detrimento da indumentária.

É esse desapego todo que eu tento passar aos meus filhos e a você, leitor do blog. Hoje meu terreiro trabalha mais com as causas imateriais do que com as terrenas, ajudando as pessoas a se encontrarem no mundo e a refletirem sobre seus erros e as formas de corrigi-los. Sequer temo um templo físico para a realização de nossas giras, fazemos tudo num círculo de pessoas, no mato e sob o sol da manhã.

Mas isto é assunto para um outro dia.

Axé!

15 de jul. de 2014

O que queremos e o que precisamos


Olá irmãos de fé!

Primeiramente eu gostaria de pedir desculpas pelo longo tempo sem textos aqui no blog, mas a inspiração andou me faltando.

Hoje vou falar sobre uma experiência que pude presenciar em duas giras e, mais uma vez, o ensinamento veio de meu amigo e mentor, o Sr. Zé Pelintra.

Em determinada gira, na hora das consultas, Seu Zé atendeu uma série de pessoas e a cada uma dela deixou uma missão. Eram coisas relativamente simples, contudo envolviam mudanças de posturas que essas pessoas haviam desenvolvido há anos. Na gira seguinte lá estavam estes mesmos irmãos de fé participando de nossa corrente, colaborando com as discussões no grupo de estudos e, como de costume, ansiosos para a sua conversa mensal com Dr. Zé Pelintra.

No momento em que fui firmar a cabeça para a incorporação, já pensando no Seu Zé, ele me disse que não iria, em seu lugar foi um outro grande amigo e guia espiritual de nosso terreiro, o Marinheiro Pereira. O marujo já chegou e disse: "O Pelintra mandou dizer que deixou com cada um de vocês uma tarefa, você fez? E você? Você? Você?". Não, não, não e não, estas foram as respostas. "Então ele não vem".

Meu pai, que também é cambone em meu terreiro, me contou que as pessoas ficaram sem chão, visivelmente desgostosas por não terem sua consulta habitual. Ele e minha mãe inclusive vieram se queixar a mim, apiedados dos tristes visitantes. Eu não formei opinião e resolvi meditar um pouco sobre o tema e pedir respostas aos protagonistas desta história, foi então que elas vieram.

Querer e precisar são coisas muito, muito distintas mesmo. Na Umbanda, via de regra, a pessoa chega pela dor, ou seja, porque seus caminhos foram se estreitando até que elas resolvessem buscar ajuda espiritual. Contudo a ajuda que elas precisam é diferente daquela que elas querem, pois faz parte da natureza humana buscar sempre o caminho mais cômodo e não o mais construtivo, e este caminho envolve mudanças de postura das pessoas e mudar é extremamente difícil, por mais simples que esta mudança pareça ser. Nos dói ver os filhos aflitos por não poderem ter sua conversa com quem eles desenvolveram durante os meses  carinho e confiança muito especiais, porém as vezes é preciso soltar a mão da criança para que ela perceba que já anda sozinha e passe a confiar mais em suas próprias pernas. É bem possível que ela caia já nos primeiros passos, porém só assim ela vai poder avaliar onde errou.
É por essas e outras que eu amo a Umbanda! 

29 de abr. de 2014

O Protocolo Umbandista: como o excesso de reverências tem tornado os zeladores de santo "celebridades"

a fogueira das vaidade
O excesso de reverência está atiçando a fogueira das vaidades na Umbanda?

Uma cadeira. Foi o que bastou para que eu refletisse sobre essa realidade desconfortável: os pais e mães de santo estão se tornando celebridades. Não todos, claro, mas é fato que estamos migrando para isso.

Na última sexta-feira eu fui visitar um terreiro em São Bernardo do Campo-SP, juntamente de minha filha de santo e cunhada. Casa simples, pequena, arrumadinha, com um único atabaque e umas poucas pessoas para assistir. Do jeito que gosto, costumo me sentir em casa nesses ambientes (sempre digo aqui que a Umbanda que mais gosto é aquela de terreiros pequenos). Fui apresentado à mãe de santo da casa pela minha cunhada, "Este aqui é meu cunhado e meu pai de santo, Cláudio", que me cumprimentou com um sorriso e depois conversamos um pouco sobre religião e a moça se foi para a cozinha, afim de checar o andamento da feijoada de Ogum. Minutos depois alguém adentra o salão com uma cadeira envolta num pano branco adornado com uma fita vermelha. Dei de ombros.

Uns vinte minutos depois a gira começou.

Sob o toque do atabaque foram entoados cânticos para todos os orixás, de Oxalá à Exú, defumaram a casa e bateram cabeça aos pés do congá. Foi quando a mãe de santo começou a cantar as boas vindas ao visitante e me chamou para bater cabeça também, o que fiz de prontidão, contudo logo em seguida ela apontou a cadeira ao lado do altar e me disse para ficar lá sentado. O lugar reservado aos pais de santo, sacerdotes de umbanda, Candomblé e afins, onde os filhos devem se ajoelhar e beijar as mãos daqueles que estiverem ali sentados no trono da altivez. 

Eu me senti extremamente desconfortável com aquilo. Tenho certeza absoluta de que a mãe da casa (pessoa que passei a adorar por sua simpatia e vivacidade) não tinha a mínima intenção de me constranger, muito pelo contrário, se esforçou de todas as maneiras para me fazer as honras e seguir o protocolo aplicado às ilustres visitas de chefes de terreiro. Só que, para mim, o problema não está na intenção de fazer a pessoa se sentir bem vinda, está justamente neste protocolo, ou melhor, no fato de uma gentileza ter se tornado regra.

Se um pai ou mãe de santo vai em alguma casa é óbvio que devemos receber a ele e toda a sua família espiritual com toda cordialidade. Vale aqui a mesma regra das visitas sociais de amigos e parentes em nossa casa, recebemos com sorrisos, oferecemos café e comidinhas, convidamos à sala de estar e ali convivemos alegre e harmoniosamente durante a estadia daquelas pessoas. Cordialidade é a palavra de ordem, não reverência e protocolos dignos de recepções à chefes de Estado no Vaticano.

Só que o que tenho visto por aí são zeladores de santo que já chegam nas casas com olhar altivo, esperando que a gira seja interrompida e que eles sejam anunciados, aplaudidos de pé, que todos se ajoelhem aos seus pés, que os tambores ruflem em sua homenagem. Querem ficar ali, em destaque, sentados na cadeira recoberta de cetim branco. É um protocolo que deve ser seguido sem variações, caso contrário o sacerdote se sentirá no direito de ficar ofendido com a falta de respeito da casa e de seus filhos. Já vi o cúmulo de um pai de santo se ofender por estar numa casa que, além de não o convidarem para entrar mesmo sabendo que na assistência havia um zelador espiritual, chamou Ogum para abrir os trabalhos. "Onde já se viu chamar o orixá que quebra demandas para abrir uma gira na presença de um pai de santo visitante, isso é uma ofensa!", me disse o sujeito.

Em minha opinião, zeladores não passam de seres humanos como outros quaisquer. A única diferença é que ele foi incumbido de uma responsabilidade maior, a de tocar um rebanho, o que não o torna mais venerável que qualquer outro servo da caridade e da Luz. Quando vou em um terreiro, meu negócio é estar ali ao lado do atabaque cantando e dançando, esta é a minha forma de reverenciar a gira e seus presentes. E é por isso que quando recebo alguma visita em meu terreiro, sempre recepciono os convidados da seguinte maneira: "Sejam todos muito bem vindos à nossa casa, estamos muito felizes com a sua presença e aqui nós não temos cerimônia. Da mesma forma que não nos importamos com plumas e rapapés quando visitamos alguém, não as oferecemos quando somos visitados. Se sentir no coração, entre e fique a vontade. A casa é tão sua quanto nossa".

Um dos poucos defeitos que vejo na Umbanda, infelizmente, é esse fator que facilita a vaidade, principalmente de seus dirigentes. O cargo, as roupas, jóias e reverências tendem a levar o indivíduo a se envaidecer, a se achar maior do que os demais, do que realmente é.

O bom é receber as pessoas alegremente e fazê-las se sentir a vontade em nossa casa, reverências infinitas nós devemos aos Orixás e não aos mortais. Respeito nós devemos a cada ser vivo no universo.

23 de abr. de 2014

Umbanda Branca? Só com união.

A Umbanda só é branca quando estamos todos unidos.
Olá irmãos, como vão todos? Espero que bem.

Sabem aquele momento em que você vê alguma coisa bem simples que lhe dá uma grande ideia? Pois é, foi o que aconteceu comigo quando vi a imagem acima. É apenas um gif animado que mostra quadrados coloridos que, ao se unirem, se tornam um círculo branco. Nada de mais, né?

o experimento de Newton
Isso me lembrou o experimento de Issac Newton sobre as cores-luz, que consistiu basicamente em vedar um ambiente, deixando-o completamente escuro e abrir uma pequena fresta para a luz (branca) entrar. Tudo normal a não ser pelo fato de Newton colocar um prisma diante do feixe de luz, o que dissipou seus raios e fez refletir na parede a gama de cores que compunham a luz branca do dia. Assim ele aprendeu, dentre outras coisas, que quando falamos de cores-luz, o branco é a soma de todas as cores.

Lembrei-me também que em um dos primeiros textos deste blog eu me dediquei à explicação de como a Umbanda lida com os Orixás e suas lendas e o que eles representam para  a nossa religião. Em poucas palavras, o Orixá é uma energia que rege determinadas nuances de nossas vidas (saúde, família, justiça, batalhas, caça, luta por objetivos, morte etc.), cada uma com sua vibração na natureza (água do mar, dos rios, vento, pedra, metal, lodo, trovão etc.) e suas cores características (Azul, Vermelho, Verde, Amarelo, Marrom...). Estes são os Orixás.

E o que Isaac Newton e um gif animado tem a ver com a Umbanda e os orixás?

Orixás são vida, energias vivas em suas cores representativas. São Luz. E Oxalá? Ele é representado pela cor branca do equilíbrio, da sabedoria, da paz. O branco da união de todos os propósitos, branco do amor e da igualdade. Branco que só se consegue quando todas as energias trabalham juntas no mesmo ritmo e na mesma direção. Por isso a Umbanda é branca, por isso somos o Exército Branco de Oxalá e, como diz o nosso hino, levamos ao mundo inteiro a sua bandeira. A Umbanda é isso: união, paz e amor. Todos caminhando juntos com o mesmo propósito de caridade, lado a lado em prol daqueles que precisam.

Assim como os orixás (e as cores-luz), podemos fazer muito sozinhos, mas somos perfeitos unidos, só somos Umbanda com união. Então esqueçam por um instante seus métodos e processos, suas liturgias, e pensem se estamos hoje todos unidos em nossos propósitos.

Será que estamos?

27 de mar. de 2014

Obsessores: devemos sentir e demonstrar o nosso medo deles?

Devemos demonstrar o nosso medo?

Olá irmãos, como estão todos?

Nesta semana eu recebi uma mensagem em nossa página no Facebook e a pessoa, entre outras coisas, me perguntou se é correto sentir e demonstrar medo de obsessores com ou sem manifestações físicas.

Eu gosto de perguntas assim, porque nunca me preocupei em respondê-las e me vejo obrigado a refletir sobre o caso e é nessas horas que me sinto abraçados pelos Guias e a resposta vem. Isto, para mim que sou um grande cético, é uma maravilha!

Notei que, no caso do medo, a mesma lógica se aplica à nossa vida física e ao plano astral. O medo é (pasmem!) o sentimento que nos mantém vivo, pois eles nos lembra que somos mortais, o quanto temos a perder e assim passamos a dar mais valor ao que conquistamos. O medo é o motor da prudência, sem ele somos tomados pela cegueira advinda da vaidade e da soberba. O medo nos mantém em constante estado de alerta.

Isto, no caso de nossa vida espiritual, respeita a mesma regra. Graças ao medo nós adquirimos o hábito da prudência e isto nos leva a pedir licença ao passar numa encruzilhada ou cemitério, a orar antes de dormir, agradecer à Oxalá ao acordar, se benzer e pedir proteção ao sair de casa etc. E a falta dele nos torna vaidosos (para mim o grande defeito da liturgia umbandista é este: a facilidade em envaidecer-se) e o umbandista vaidoso e destemido se torna um descuidado e o descuido nos faz presa fácil para os obsessores. Já vi terreiros ruírem por isso.

Neste caso, por ter medo do que há de ruim no mundo, eu nem deveria sair de casa, não é?

Não, sentir medo é saudável para a sua sobrevivência, mas amedrontar-se, deixar-se dominar pelo medo (assim como por qualquer outro sentimento, emoção ou vontade) e muito, muito errado. Nada pode atrapalhar a sua razão, tanto no plano físico quanto espiritual. Ao se deparar com um obsessor, por exemplo, devemos teme-lo como forma de garantir a nossa preservação, contudo não podemos nos amedrontar ou recuar diante do desafio que, como todos em nossa vida, foi plantado em nosso caminho para ser enfrentado. No caso específico de obsessão, minha experiência me mostrou que, embora estejamos com os joelhos trêmulos, recuar é um erro quase tão grande quanto avançar em demasia. O meio termo é o avanço respeitoso em direção ao seu objetivo que é a vitória sobre a demanda, sempre munido de fé, determinação e cautela.

Resumindo, irmãos: o medo é natural, se deixar dominar por ele é um erro.

Concordam? Discordam? Tem algo a acrescentar? Deixe sua opinião nos comentários!

10 de mar. de 2014

Devemos impor a Umbanda aos nossos filhos?

Impor a religião é errado. Muito errado.
Diferenças religiosas. Fonte www.umsabadoqualquer.com.br
Olá irmãos, como vão?

Vocês se lembram de quando eu disse que os Guias nos deixam lembrar das situações de consulta que nos sirvam de aprendizado? Pois bem, isso aconteceu comigo ontem durante uma gira.

O contexto: o terreiro que dirijo decidiu dedicar este ano para os estudos, então nos reunimos aos domingos pela manhã para discutir a Umbanda, treinar o hábito de cantar e, só na hora final, abrimos para alguns convidados tomarem consultas.

Foi uma manhã linda. abrimos a gira em uma pequena capela onde uma de nossas filhas tem firmado o seu congá e depois fomos para o quintal sob as sombras das árvores e palmeiras, de apostila nas mãos, para discutir os propósitos de cada um (o resultado desta conversa vocês conhecerão futuramente). Após isso, como já é quaresma, desenvolvemos Exu e Pombagira, Sr. Marabô veio e conversou com os presentes e em seguida chegou o Sr. Zé Pelintra. Conversa vai, conversa vem e sentou-se diante dele uma amiga de nossa casa (que chegou lá através deste blog) parou para conversar com Seu Zé.

Lembro-me de nada além do fato dela querer que o filho seguisse na Umbanda e Seu Zé lhe responder algo mais ou menos assim: "Religião não se impõe, ela é escolhida pela pessoa, brota no coração dela. Se for para ser, será". 

E naquele momento, do outro lado do quintal, um sobrinho de minha filha de santo havia chegado com o filho de poucos meses no colo para conversar com Seu Zé, que o mandou esperar para falar com essa filha que citei acima - e por estar sem camisa, ganhou uma pólo branca de improviso -, foi surpreendido por sua mulher (dita evangélica) fazendo o maior escândalo: "O que você tá fazendo aqui com meu filho? Não quero meu filho aqui nessa macumba!". E pegou a criança nos braços e saiu xingando o marido, a família, a vida...

Seu Zé Pelintra disse à moça: "Não falei para você? Quando se impõe a religião à alguém, as coisas só podem dar errado. Nove em cada dez guerras no mundo são causadas por religião e por mais que a umbanda seja de paz, a lógica é a mesma".

Aquilo me fez refletir sobre o tema. O principal fator que nos leva à religiosidade é a fé e fé significa acreditar naquilo que não vemos, ou seja, é pura subjetividade. Porque se o mundo tangível já é percebido de formas diferentes por cada um de nós, imaginem o invisível? Cada um chega à Umbanda por um motivo (acabamos dividindo-os em dois grandes grupos: amor e dor), mas repito que CHEGAMOS, não somos empurrados, ninguém nos força a amar o som do atabaque, a se entregar à vibração dos orixás, a se doar.

Se a vida nos quiser na Umbanda, nós chegaremos até ela e assim que chegarmos, caberá (somente) a nós escolhermos seguir ou não este caminho. Tenho exemplos disso em casa, meu pai é filho de um ancião da Congregação Cristã do Brasil (amo este igreja!) que o forçava a ir nos cultos três vezes por semana e depois, em casa, repetir a palavra do pastor, os versículos estudados etc. Hoje, como sabem, ele é um dos umbandistas mais fervorosos que conheço.

A vida é assim, se Deus quisesse que outras pessoas fizessem nossas escolhas, não nos teria dado o livre arbítrio.

Concordam?

Em tempo: vale a pena fazer este teste. Só por curiosidade.

24 de fev. de 2014

A fé é suficiente para o umbandista?

fé e disciplina umbandista
Apenas ter fé é o suficiente?
Olá irmãos, como estão todos?

Quem me conhece ou lê o blog há algum tempo sabe que o terreiro que dirijo fica em Itanhaém-SP, mas grande parte dos membros mora em outras cidades, como São Paulo, e nem sempre podem participar das giras. Quem é umbandista também sabe que é comum em um templo termos uma pequena fração de pessoas altamente engajadas, uma grande porção de membros interessados e outra pequena parte de pessoas que realmente não estão levando a coisa de um modo sério. Se o terreiro for longe como o meu, o número de não-engajados aumenta, se - ainda por cima - houver uma dualidade na administração da casa (o que também acontece conosco), ou seja, há mais de um membro tomando as decisões finais e as visões de como conduzir a casa são quase que dicotômicas, piora mais.

Pois bem, vou contar-lhes uma história. Estávamos todos reunidos em nossa festa de Oxossi (um dos raros momentos em que quase a totalidade dos filhos se reúne) e havia ali uma visível rachadura entre as pessoas: de um lado os filhos assíduos, que nos últimos três anos se dedicaram aos estudos, se esforçavam para ir às giras fizesse chuva ou sol, e de outro estavam as pessoas que eu realmente via apenas em ocasiões sociais ou em grandes festas do templo. De tão visível que era essa disparidade, quem chegasse ali, pensaria que havia dois terreiros na mesma tenta, pois os mais assíduos estavam em um ritmo completamente diferente dos demais. Não que fosse proposital, mas o nível de entrega, concentração e proatividade era tamanho que fazia com que os demais passassem por iniciantes (por mais que alguns tivessem seus 7 anos de desenvolvimento). Enquanto os primeiros cantavam, saudavam e interagiam com a gira de forma respeitosa e coordenada, os demais estavam visivelmente perdidos ou concentrados em coisas que não eram pertinentes para aquele momento.

Após ver aquilo, parei para refletir. Sei que cada um ali tem os seus motivos para ter entrado para o terreiro, confio plenamente na fé de todos em Oxalá e nos demais orixás, mas apenas ter fé e gostar de estar no terreiro é suficiente?

Eu gostaria da opinião de vocês quanto à esta questão, mas a resposta que consegui alcançar foi: não.

Como diz na Prece de Caritas (minha favorita): "Dai-nos a caridade pura, dai-nos a  e a razão"

E o que é fé? Fé significa acreditar naquilo que não se pode ver, ou seja, é a capacidade de se alinhar com o invisível, com as forças que vão além de nossa compreensão, significa se deixar envolver por um propósito maior, por mais que nosso conhecimento de causa não consiga absorver suas diversas nuances.

A razão, em seu sentido de racionalidade e não de estar certo, nos impele a buscar esse conhecimento que nos falta na fé, as elevar a nossa mente até onde foi nosso coração. A razão nos impulsiona às melhores práticas a ter foco no que realmente interessa em tudo isso, que é a caridade, que é a disciplina e o empenho.

Não basta amar os orixás, é preciso se doar à gira, ter foco no que interessa, ser disciplinado e constante. Isso porque um terreiro é um organismo vivo, mutável e evolutivo, ou seja, uma gira nunca é igual à outra e se você perder seu foco, ficará para trás. Por isso tenham cuidado, meus irmãos, estejam sempre alinhados e presentes no templo que escolheram para habitar, afinal ele é a sua casa e casa abandonada nunca é bom.

Axé!

28 de jan. de 2014

Oferenda x Empenho: qual é o certo?

festa de Oxossi santuário nacional de Umbanda
Foto: João Vitor Bailoni

Olá irmãos umbandistas, como estão todos?

No dia 19 de Janeiro de 2014 meu terreiro realizou sua Festa de Oxóssi, no Santuário Nacional de Umbanda, em São Bernardo do Campo-SP. Foi uma festa linda, cheia de vida e cores. Os caboclos dançando e bradando, o axé maravilhoso dos orixás nos inebriava. Estava tudo maravilhoso.

Mas o bom daquele lugar é o contato entre terreiros distintos. Lá você sai para andar e vê gente passeando, terreiros inteiros prestando suas homenagens aos orixás, entidades incorporadas em seus médiuns andando sozinhas por aí... é divino!

E nessa minha andança, me deparei com uma mulher oferendando um pequeno prato de barro com quiabos e uma cerveja preta nos pés da estátua de Xangô, seu Pai de cabeça. Achei bonito aquilo, a fá e a simplicidade da moça. Eu mesmo, nas raras vezes em que fiz alguma oferenda pessoal à algum orixá, nunca arreei pratos grandes, só os pequeninos, pois, para mim, o que vale é a fé e nossos atos além do oferecimento do prato. Julguei que aquele era o pensamento da mulher, fiquei contente por ela e segui adiante.

Mais tarde eu fui com meus filhos ao Reino de Exú, um reservado num lugar alto e dedicado às oferendas à Exú e Pombogira. Um lugar de energia densa e reflexiva, cercado de urubus que comem os bifes das oferendas, algumas galinhas ciscando a farofa (lá é expressamente proibido qualquer tipo de sacrifício, por isso muita gente deixa os animais vivos lá e vão embora) e muitos pratos oferendados à Esquerda. Lá eu me deparei com a mesma moça de outrora, oferendando um prato aos Exús, só que desta vez a oferenda era enorme! Um prato de barro de uns três palmos de, seguramente, mais de 35cm de diâmetro, todo coberto por filé sangrando, farofa amarela, cebolas, pimentos gordas e vermelhas como sangue, sete charutos e wiskey importado.

Até aí tudo bem, cada um oferenda o que quer, mas me senti intimamente incomodado pela discrepância entre o tamanho das oferendas dadas ao Pai de Coroa da moça e ao seu Exú. Quem sou eu para apontar o dedo ou julgar o trabalho do Guardião na vida daquela moça, mas, cá para nós, nada substitui a presença e a obra do pai em nossas vidas. Eu recebo o Sr. Marabô e sou eternamente grato a tudo o que ele faz por mim a cada dia, mas sei que devo minha vida e caminhos à Oxóssi e Oxum (e Zambi, acima de tudo), por isso eu (vejam bem: EU!) não oferendaria à um guia um prato maior do que aquele que eu dei ao meu pai ou mãe.

Não digo que o prato de Xangô tem que ser enorme, volumoso e cheio de coisas. Muito pelo contrário, para mim as oferendas devem ser simples como a Umbanda é. O que digo aqui é que, de alguma forma, o tamanho da oferenda (e o empenho em montá-la) estão diretamente ligados à importância que damos ao orixá presenteado.

Vou repetir aqui o que sempre digo aos meus filhos: sejamos simples e objetivos, tenhamos sempre o maior respeito e carinho por todos os guias, honremos sempre nossos pais, mães e aqueles que nos amam. Sem luxo, sem ganância e sem egoísmo. Na Umbanda o filho não pede nada para si, só agradece a oportunidade de ajudar.

15 de jan. de 2014

Crônicas de Iemanjá 2: o mar e a ventania

Balé de Inhansã
Balé de Inhansã
Olá irmãos, como vão? Passaram bem a virada de ano?

No começo de Dezembro eu iniciei uma série de postagens sobre a nossa festa de Iemanjá na qual falei sobre os convites e os sonhos desfeitos. Continuaremos daqui, falando do tempo.

Naquele dia celebraríamos Iemanjá e Iansã, Senhora do Mar e Senhora do Vento, a mãe e a guerreira juntas num dos momentos mais especiais do ano, com gira fora do terreiro em que todos estariam em contato direto com a areia da praia, o cheiro do mar e o vento noturno.

Foi um dia sem sol. Cheguei na praia por volta das 8h da manhã junto de meu pai (e cambone da casa) e o João, filho querido e grande amigo, para começar a cavar a areia, fincar as tochas no chão e montar o congá. As nuvens me deixavam aflito, pois cada um que olhava para o céu afirmava - com certa margem de razão - que iria chover pesado naquela noite. "Eparrei!", eu respondia, já com o medo além do calculável, pois uma forte chuva poderia arrastar as tendas e macular todo o trabalho.

A noite caiu e a gira começou. Saudações feitas, corrente firmada e todos em seus lugares já saudando Iemanjá. 
As caboclas de Iemanjá na terra, vibrando em suas médiuns e a gente cantando, cantando até não conseguir mais e quando a voz falhava, cantávamos mais um pouco e, enquanto isso, o mar ressacado invadia a praia, tomava conta da orla como um todo. As ondas bravias vinham do oceano e avançavam sem freio sobre a areia, só parando no barranco que antevia a rua pavimentada. A água consumia tudo, menos a nossa gira. Pode parecer mentira, mas as ondas avançavam e se dissipavam lateralmente diante de nossa porteira.

Cantamos para Iansã. Ventania.

flores para Inhansã
Flores para Inhansã
E não foi uma ventania qualquer, foi a maior ventania que já presenciei em uma festa na praia. ela se iniciou quase que simultaneamente à gira e aumentou seu poder durante a passagem de Iansã. Enquanto os gazebos ameaçavam sair voando e eram socorridos por alguns assistentes, as guerreiras de Iansã cruzavam o espaço demarcado com toxas bailando e cortando o vendo com suas espadas imaginárias. Saias brancas girando e mulheres em transe profundo, ambas na mesma cadência da Angola que repicava no atabaque. Quando dei por mim, estava na porta de nosso templo ao ar livre com dois punhados de pétalas de rosa-coral, ergui as mãos para o ar e as deixei voar, infiltrando-se entre as Iansãs e seu balé que sacudia a areia. Foi um dos momentos mais lindos que já presenciei na Umbanda.

Parei onde estava e me dediquei a contemplar o que se passava ali, aquela pintura. Foi quando eu tive uma espécie de epifania: o Orixá é mesmo uma força da natureza! Seria muita coincidência o respeito das ondas e o vento bravio naquela noite (justo naquela!) e me lembrei de uma frase que meu pai me dizia quando eu era um menino: "Respeito gera respeito e respeito se dá". Tivemos as graças da Guerreira e da Grande Mãe porque as respeitamos e tememos como os bons filhos devem fazer.

No dia seguinte, vendo os vídeos daquela noite eu reparei que fiz o movimento de jogar rosas no vento por várias vezes, inclusive na linha de Iemanjá. Sem me dar conta.

E como tudo na Umbanda (e na vida) se encaixa, fica aqui o ponto.

Eram duas ventarolas, eram duas ventarolas
Venta aqui, venta no mar.

Uma era Iansã. Ô Eparrei!
A outra era Iemanjá. Odociá!