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23 de nov. de 2012

Quando Iansã falou comigo

Iansã
Boa tarde caros amigos leitores, aqui deixo um breve relato de que nunca estamos sozinhos. 


Já eram quase 14 horas, havia terminado meu almoço e estava esperando ainda dar o horário para voltar a trabalhar, de fome já saciada, ânimos mais calmos após uma manha agitada da rotina de trabalho, estava eu ali, parado na varanda do prédio vendo tudo aquilo em minha volta. 

Eram prédios e mais prédios, pistas expressas, executivos indo e vindo pela rua, publicitários discutindo campanhas, vendedores ambulantes na rua, grupos de pessoas atravessando a avenida, nada muito diferente de um dia comum pra uma cidade do porte de São Paulo. Mas sim, naquele momento tudo estava muito atípico, comecei então a não ver as pessoas em minha volta como apenas pessoas, eram seres, com suas histórias, suas vidas, eram espíritos, eram irmãos, e todos os seus problemas ali estavam evidentes, os prédios não eram apenas mais blocos de concreto empilhados, eles tinham vida, vibravam, estavam tensos, as ruas, os postes, todo material urbano inanimado passou a ter vida, passou de forma clara num milésimo de segundo a se expressar de forma evidente, o sol não só emanava energia e vida, sentia minha pele queimar, arder quase que beirando um incômodo, o barulho da rua chegava a tons estridentes, buzinas, motores, conversas, telefones tocando, vendedores gritando, começaram a aparecer números em minha mente, tarefas que precisava concluir, tarefas que precisavam ser refeitas, seguindo então vieram as horas, ainda era cedo e o dia demoraria a terminar, vieram se então o dia da semana e ela também demoraria para terminar. 

Logo então percebi que a contração no pescoço rapidamente se transformou numa dor de cabeça, minha testa franziu, os dentes já estavam se pressionando, num ato muito repente me percebi perturbado e  agoniado. Tal aflição já era uma agonia sem explicação, o momento de descanso pós almoço transformou se num melancólico intervalo boçal, não via motivos, nem prazer, nem nada que me arrancasse um ar empolgante, já era uma mistura de tortura por suportar todo esse ambiente que tomou forma a minha frente em pouco tempo com a tristeza de seguir o resto dos dias assim, afinal a cidade não parava nunca.

O que estava eu fazendo ali ? Meus pés quentes dentro do sapato pediam um pouco de ar, meus pulmões pediam o frescor que se tem perto de uma sombra dentro das matas. Isso tudo me adoeceria se continuasse assim, fechei os olhos por um instante e a necessidade de um contato com algo que me lembrasse a natureza, a calmaria, as águas refrescantes, a necessidade de algo que me lembrasse a terra que se pisa, a necessidade do paradoxo de "ouvir" silencio era gritante. Aos poucos e com a mesma sensibilidade que tudo o que descrevi tornou se grande e em proporções monstruosas e rápidas, fui sentindo um vento muito leve no rosto. Não aguentei e então uma lagrima escorreu. 

O leve vento parecia estar somente a minha volta, um sopro leve, um sopro fresco aliviava minha pele, minha mente, meus ânimos. Pareciam entrar nos meus pulmões como calmantes naturais, podia até sentir uma leve fragrância de ervas frescas. Abri meus olhos então e já existia ali outro contraste, haviam agora arvores, sim no bairro existiam arvores, estava eu num dos bairros mais arborizados de São Paulo e nunca notará isso, aquela poluição sonora urbana tinha seu volume gradativamente diminuído enquanto alguns pássaros emitiam relaxantes notas no seu canto, sim também haviam inúmeras espécies de pássaros e eu também nunca os notei, também não haviam mais pessoas na rua, eram guerreiros, que sob chuva e sob sol estavam todos os dias religiosamente trabalhando e lutando, eles também não estavam tensos com seus supostos problemas por mim percebido, estavam confiantes e resistentes na sua luta, o grito do vendedor não tinha o tom de incômodo, era uma ousada forma de atrair, até mesmo os prédios já tinham outras cores, estavam mais vivos, pulsando força, gerando trabalho. Tudo foi se contrastando e logo ali, num horizonte onde findava minha vista, alguns bambus, que acredito terem mais ou menos pela minha idade pelo seu tamanho, bailavam lindamente. O vento que neles conduziam os movimentos também produziam um assobio sútil que nunca iria perceber. 

Como bailarinas, iam pra direita, pra esquerda, seus finos galhos pareciam braços molejados, alguma de suas folhas rodopiavam e se desprendiam, fazendo disso um espetáculo nunca visto antes por esses olhos. 

Com o maior cuidado então dirigiu-se até mim uma voz, calma:

- Você gosta de ficar olhando a vista aqui né ? Sempre te vejo aqui esse horário. 

- Gosto sim, eu gosto de ficar vendo a rua. 

- É faz bem espairecer um pouquinho. Você não acha engraçado tudo isso ?

- Tudo isso o que ? Como assim ?

- Aqui tem tudo e não tem nada ao mesmo tempo, tem tudo o que agente quer, mas quando vemos não tem tudo o que precisamos, quando vemos novamente tem tudo o que precisamos, mas não tem nada do que queremos, eu acho isso engraçado. 

Parei por uns instantes e ri, isso me fez lembrar alguma rodinhas de conversas filosóficas que aconteciam no tempo da faculdade, tornei me quieto e pensativo mais uma vez e disse. 

- Estava ali olhando aqueles bambus, nunca os tinha notado. 

- Pois é, acho que você nunca precisou deles ali, por isso não os notou. Você só estava querendo alguma coisa que não sabia o que era. 

- Acho que é isso mesmo, também nunca havia notado aquela mangueira, muito menos todas essas arvores. 

- Mas é assim mesmo, agente quer muita coisa, quando percebemos que tudo o que queremos está a nossa volta, mas só percebemos isso quando agente precisa realmente, quando agente precisa muito de alguma coisa é só reparar que está bem perto.

Ainda não havia percebido o teor profundo dessa conversa, até ouvir isso e então uma expressão de susto e espanto se desenhou em meu rosto, seguindo do que ouvi. 

- O vento é assim igual você, uma hora sopra forte e depois para de soprar, outra hora está lento e já vira tempestade, uma hora nos traz frescor na outra tempestade, ele é assim agitado e calmo, presente e ausente ao mesmo tempo, depende só do que você precisa, de como você quer que ele sopre, de como precisa que ele sopre, eu vi você ai e em menos de 3 minutos foi da agonia a serenidade, só percebeu que tudo o que precisava estava ali, que o quente na verdade era vivo, que o barulho na verdade era força. É assim mesmo. 
Quando o povo negro aqui chegou relutou para buscar o que haviam deixando la na sua terra, buscavam de todas as formas voltar pra seu seio, pra seu orixá, mas orixá está em todo lugar, não vê agora. Está aqui com você, nessas folhas, nessa cidade enorme, em todos ali na rua, esta nesse canto que ouve, inclusive no vento né.

Um sorriso de abriu o maior da semana e disse.

- Sim está até no vento. 

- Sua mãe está em todo lugar filho, não há lugar que o vento não sopre e que um raio não clareie. 

Dona Nair (nome fictício) é a senhora que faz o café da manhã e responsável pela cozinha no prédio, nossa conversa durou mais alguns minutos ali na varanda, assim como você leitor achou que de fato eu estava conversando com Iansã, de fato eu realmente estava mesmo. Não estamos sozinhos um momento se quer, tudo o que precisamos está a nossa volta, se não encontrarmos num primeiro momento, de uma forma ou de outro "eles" irão usar algo ou alguém pra nos falar. Esses 3 pequenos longos minutos de uma breve agonia foi proposital com toda a certeza, as vezes precisamo apagar a luz pra enxergar de novo a luz. 

PS: 

- Dona Nair como sabe que sou filho de Iansã ?

- Ah meu filho, quem fecha os olhos pra sentir ventar não nega a mãe que tem. 

- A senhora é filha de quem ? 

- De Iansã e Oxóssi. 

Que meu pai Oxóssi e minha mãe Iansã com a pureza de nossos ibejis, tragam luz e paz a todos vocês.

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