Sim eu dificulto. Não, eu não sou sádico.
Apenas acredito que é sob as condições mais adversas que os talentos nascem, que as pessoas mostram seu valor. E no terreiro não é diferente, afinal ali são travadas grandes batalhas pelo bem geral que infelizmente não podemos ver e obter maior compreensão. No terreiro vemos apenas a "marionete", o médium sendo controlado pelos espíritos, ouvimos a voz do interlocutor, não a do benfeitor, mas se vamos de coração aberto e com foco no bem a ser praticado podemos sentir o que acontece, as energias fluindo no ambiente.
Como médium eu fui criado na base da porrada, tem ter hora marcada para gira, sem atabaque, sem defumação, sem templo, sem roupa branca, somente a Mãe de Santo, a fé, dois irmãos (hoje padrinho e madrinha da casa) e pessoas que nos recebiam em seus lares. Quando por muito tínhamos uma vela, um copo d'água e uma cadeira como altar. Aprendi a receber as entidades sem precisar da maioria dos fundamentos, apenas com a concentração e fé em Deus, segurávamos a gira no canto e nas palmas por horas a fio sem cansar porque sabíamos da importância do canto e do trabalho que sustentávamos para os orixás presentes. A caridade era feita, isso que importava. O ser em detrimento do ter ou do parecer.
Não que eu ache que os fundamentos de uma casa sejam desnecessários, muito pelo contrário, eles são sim e muito! São a segurança da gira, com eles o risco de acontecer algo grave é muito maior e no templo não abro mão dos fundamentos, mas me esforço em mostrar que não dependemos apenas disso para trabalhar, porque uma hora surgirá uma grande necessidade de iniciar uma sessão num local aparentemente desprotegido e o que o fiel fará? Vai sair correndo? E se a demanda for maior e os fundamentos não forem suficientes? O médium perecerá? Por isso o preparo em condições adversas, para fazer do fiel uma consciência forte, inabalável.
Digo e repito: a coisa mais idiota que já ouvi de um médium foi a frase "Meu guia não vem sem a roupa dele...". O guia não precisa de roupa, precisa de você e de sua fé e concentração para servir como ponte. quanto maior a fé e concentração (equilibrados) mais fluída será a estrada entre o astral e a coroa do médium e mais belo e seguro será o desenrolar da gira. Médiuns que perdem o foco no binômio fé/concentração são aqueles que podem até incorporar de forma bela, mas não tem controle sobre qual espírito se vale de sua coroa (se é bom ou mau) e nem a situação em que cederá seu corpo a um ente do astral, são pessoas assim que vasculham casas de produtos religiosos atrás de imagens com nomes dos orixás, que se deixam levar pela densa aura de um descarrego e penam para voltar a si, são pessoas que vão à gira quando bem entendem ignorando o porque de estarem ali.
Médium bom não é aquele que incorpora bonito, é aquele que se dedica à religião e à caridade.
Axé.