Dona Vilma incorporada no Pai Benedito das Almas dando consulta à sua filha, Letícia |
Silêncio. Calem, ao menos hoje, os tambores, as palmas, os sorrisos e os brados. Que o silêncio traduza o que sentimos, o silêncio é irmão do vazio, não é triste e nem feliz, o silêncio é a expressão do intraduzível, o silêncio hoje é de respeito. É silêncio de luto.
Se o que somos hoje é resultado de nossas experiências passadas, furto do que vivemos e o que vivemos não é vivido sozinho, podemos afirmar, com certa margem de certeza, que somos o resultado de nossas relações interpessoais, das amizades e desamores, da alegria e do desterro. Contudo principalmente das amizades, porque os maus momentos, como disse uma vez o Sr. Marabô, nos moldam por fora enquanto os bons acontecimentos nos inspiram e nos dão forças para prosseguir, são o nosso alicerce, nos mudam na essência.
Com base nisso eu posso garantir que se hoje estou escrevendo aqui - com tristeza, eu sei - é porque fui inspirado por pessoas maravilhosas, dentre elas Vilma Carnevalli, mulher e (hoje apenas, feliz ou infelizmente) espírito de luz a quem eu rendi minha primeira homenagem aqui neste blog. Das poucas amizades verdadeiras que tenho, acho que só a Vilma (Mima, Vilminha, Benedito) conseguiu tocar a minha alma e me transformar em uma pessoa melhor.
Mima, aquela figura franzina e enrugada, de fala mansa e dedos amarelados pelo cigarro (vício que a levou à morte), filha de Omolu e Nanã, sempre tinha algo a dizer, era a minha conselheira e pessoa de total confiança. Tanta confiança tinha eu nela que certa vez, enquanto passava por grave provação nas mãos de Belzebú - um Exú ancestral e muito poderoso que resolveu esfregar em minha cara os maus rumos que meu terreiro havia tomado - ele usou a figura de Dona Vilma para me dissuadir da batalha. De repente eu acordei e a vi sentada aos pés de minha cama dizendo que tudo aquilo era coisa de minha cabeça, que eu devia desistir porque estava errado. Então me dei conta de que ela jamais me desencorajaria, foi aí que a fera se revelou e a partir desta revelação eu me tornei mais forte e acabei, junto da Mima e de meus amigos-irmãos, vencendo aquela guerra. Prova de que minha relação com a Vilminha era inabalável, prova de que ela só levava coisas boas às pessoas.
Vilma sabia que iria partir. Seu mentor e grande amigo, Pai Benetito das Almas, havia dito que o momento seria em 2010, contudo o Universo depositou um pouquinho mais de areia em sua ampulheta para que ela desfrutasse da companhia de sua neta Lorena e pudesse compartilhar conosco mais três anos de sua rouca e inconfundível risada que sempre terminava em tosse, dos seus conselhos e sua doçura.
"É, Seu Zé, busque a resposta no silêncio do seu coração", me dizia ela sempre que eu a importunava com minhas intermináveis solicitações de conselhos. "Tome tento, Seu Zé e costure o fundo de sua sacola!", era sua resposta obrigatória ao meu humor ácido e para as minhas provocações.
Não dá para ficar triste por alguém que está seguramente melhor agora, mas também não posso ficar feliz estando longe, fisicamente, de minha grande amiga, dessa pessoa cuja mediunidade e seus feitos de caridade eram sem tamanho, mas que ficavam em silêncio, humildes como ela. Vilma nunca precisou de holofotes e nem de agradecimentos.
Só que hoje você terá, postumamente, eu sei, mas ainda assim terá. E da forma que mais combina contigo, minha amiga:
OBRIGADO, DONA VILMA!
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