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30 de dez. de 2013

Vilma e Benedito 2: um ensaio sobre o silêncio

Pai Benedito das Almas incorporado em sua médium protegida, Vilma Carnevalli.
Dona Vilma incorporada no Pai Benedito das Almas dando consulta à sua filha, Letícia
Silêncio. Calem, ao menos hoje, os tambores, as palmas, os sorrisos e os brados. Que o silêncio traduza o que sentimos, o silêncio é irmão do vazio, não é triste e nem feliz, o silêncio é a expressão do intraduzível, o silêncio hoje é de respeito. É silêncio de luto.

Se o que somos hoje é resultado de nossas experiências passadas, furto do que vivemos e o que vivemos não é vivido sozinho, podemos afirmar, com certa margem de certeza, que somos o resultado de nossas relações interpessoais, das amizades e desamores, da alegria e do desterro. Contudo principalmente das amizades, porque os maus momentos, como disse uma vez o Sr. Marabô, nos moldam por fora enquanto os bons acontecimentos nos inspiram e nos dão forças para prosseguir, são o nosso alicerce, nos mudam na essência.

Com base nisso eu posso garantir que se hoje estou escrevendo aqui - com tristeza, eu sei - é porque fui inspirado por pessoas maravilhosas, dentre elas Vilma Carnevalli, mulher e (hoje apenas, feliz ou infelizmente) espírito de luz a quem eu rendi minha primeira homenagem aqui neste blog. Das poucas amizades verdadeiras que tenho, acho que só a Vilma (Mima, Vilminha, Benedito) conseguiu tocar a minha alma e me transformar em uma pessoa melhor.

Mima, aquela figura franzina e enrugada, de fala mansa e dedos amarelados pelo cigarro (vício que a levou à morte), filha de Omolu e Nanã, sempre tinha algo a dizer, era a minha conselheira e pessoa de total confiança. Tanta confiança tinha eu nela que certa vez, enquanto passava por grave provação nas mãos de Belzebú - um Exú ancestral e muito poderoso que resolveu esfregar em minha cara os maus rumos que meu terreiro havia tomado - ele usou a figura de Dona Vilma para me dissuadir da batalha. De repente eu acordei e a vi sentada aos pés de minha cama dizendo que tudo aquilo era coisa de minha cabeça, que eu devia desistir porque estava errado. Então me dei conta de que ela jamais me desencorajaria, foi aí que a fera se revelou e a partir desta revelação eu me tornei mais forte e acabei, junto da Mima e de meus amigos-irmãos, vencendo aquela guerra. Prova de que minha relação com a Vilminha era inabalável, prova de que ela só levava coisas boas às pessoas.

Vilma sabia que iria partir. Seu mentor e grande amigo, Pai Benetito das Almas, havia dito que o momento seria em 2010, contudo o Universo depositou um pouquinho mais de areia em sua ampulheta para que ela desfrutasse da companhia de sua neta Lorena e pudesse compartilhar conosco mais três anos de sua rouca e inconfundível risada que sempre terminava em tosse, dos seus conselhos e sua doçura.

"É, Seu Zé, busque a resposta no silêncio do seu coração", me dizia ela sempre que eu a importunava com minhas intermináveis solicitações de conselhos. "Tome tento, Seu Zé e costure o fundo de sua sacola!", era sua resposta obrigatória ao meu humor ácido e para as minhas provocações.

Não dá para ficar triste por alguém que está seguramente melhor agora, mas também não posso ficar feliz estando longe, fisicamente, de minha grande amiga, dessa pessoa cuja mediunidade e seus feitos de caridade eram sem tamanho, mas que ficavam em silêncio, humildes como ela. Vilma nunca precisou de holofotes e nem de agradecimentos.

Só que hoje você terá, postumamente, eu sei, mas ainda assim terá. E da forma que mais combina contigo, minha amiga: 

OBRIGADO, DONA VILMA!
Grande médium, mulher, amiga e mãe. Eterna saudade de você.

23 de dez. de 2013

CINEMARK Ofende Afro-Religião




Não gosto de ser apelativo, quanto a divulgações e compartilhamentos dos textos do Blog, como profissional da área acredito que isso tenha que acontecer de forma natural, o engajamento surge com o tempo e com a dedicação de nós autores.

Mas pela primeira vez peço que compartilhem, postem, divulguem e gritem com todas as forças, como um brado de caboclo, essa postagem. 

Neste último domingo, 23/12/2013, minha namorada e eu estávamos passeando pelo Shopping Eldorado em São Paulo, fomos até o Cinemark ver os filmes que estavam em cartaz, para nossa surpresa encontramos uma ação de marketing que nos horrorizou, algo completamente preconceituoso, triste e muito mas muito mau elaborado, deixo aqui minhas claras críticas sobre esse trabalho extremamente racista e que contribui muito para que nos umbandistas e candomblecistas sofram com preconceitos e represálias.

As fotos abaixo mostram a ação que tanto repudio, o filme o qual está sendo divulgado através dessa ação preconceituosa é chamado: "Atividade Paranormal - Marcados pelo mal"

Bom, a única marca do mal que encontramos na nossa sofrida religião, é o preconceito, que dessa vez já não mais pautado pela ignorância mas sim pela malicia do capitalismo em vender mais e mais e em atingir as metas de bilheteria, ao custo do nosso suado esforço religioso em levar a caridade ao próximo. 


Vejam que foram colocados, alguidares, farofas e pimentas. 

Um espelho, fios de contas, todos fazendo alusão a magia negra, a maldade, a tudo o que reprimimos e lutamos contra. 

O Cinemark e a agência responsável pelo Marketing realmente deu o maior tiro no pé do ano, uma por aprovar tal ação e outra por propor algo tão repugnante e por sua produção.



Velas pretas e vermelhas, velas amarelas, fios de conta azuis, velas amarelas de sete dias. 

Artefatos que fazem parte do nosso cotidiano ritualístico, da nossa tradição e da nossa cultura.

Obviamente que em defesa de tal atrocidade as empresas responsáveis por isso irão alegar que da mesmo forma que podemos utilizar isso para nosso culto religioso, pessoas com intenções diferentes da nossa podem utilizar tais objetos na pratica do charlatanismo, na prática de magia negra e outra qualquer desculpa. 

Porém se seguirmos essa linha de raciocínio, seria o mesmo que ao fazer um filmes sobre pedofilia ou corrupção utilizarmos uma batina católica, ou algo que faça referência a igrejas protestantes, certo ? 

Já que muitos padres utilizam de seus objetos e cargos religioso para a prática de crimes também. 


Quem tiver estomago para ver a grande promoção do Cinemark é só dar um pulinho no Shopping Eldorado, fica próximo a estação de trem Hebraica-Rebouças. 

Aqui está o link da página do Facebook dessa promoção criminosa e racistas, mais uma vez peço que com todas as forças, mostremos quem somos e que não aceitamos mais esse tipo de comportamento. 

Facebook: https://www.facebook.com/AtividadeParanormal

Que Oxóssi e Iansã cubram todos com muita luz e muito Axé.

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."
Albert Einstein


17 de dez. de 2013

A escola da dor.


Por tempos aqui não escrevo, não deixo aquelas velhas e medianas linhas, com um pouquinho do que. insignificantemente aprendo no decorrer dessa minha jornada na terra. 

Muito se fala aqui sobre, caridade, evolução, ajuda, mediunidade e lições da vida, escrevemos um pouco aqui daquilo que cotidianamente acontece em todos os lares, com todas as pessoas, do rico ao pobre, do mais esclarecido ao mais ignorante, falamos aqui daquilo que acontece, com crentes, católicos, evangélicos, umbandistas, candomblecistas, budistas e todos os istas que puderem imaginar. 

Pensamos, organizamos e explicamos idéias que qualquer um pode seguir, aplicar e praticar na sua vida, deixamos aqui nosso mero e humilde exemplo, nossa breve historia diante do infinito. 

Deixamos aqui aquilo que acreditamos, aquilo que queremos que seja jogado ao vento e espalhado para os quatro cantos, pois é essa a forma mais preguiçosa que encontrei hoje de fazer muito menos do que devo, de fazer o minimo perante aquilo tudo que recebo todos os dias ao acordar. Que de maneira bem hipócrita deixo somente o bom exemplo, mas que escondo minhas quedas e falhas. Acredito fielmente que vocês aprenderiam muito mais com esses exemplos do "o que não fazer", do que com o "o que devem fazer".

Distante de mim querer ensinar aos outros aquilo que se deve ou não fazer, deixo apenas meu exemplo, minha história. 

E ai está o ponto, minha história. 

Construída e destruída todos os dias, começada e terminada constantemente, repleta de erros e acertos sortudos guiados por aqueles que nos protegem, não muito diferente da sua história, não tão longe da realidade de vocês que ai estão do outro lado da tela. 

Você também, um ser que assim como eu, carregado de instintos, traumas, falhas e personalidades, vícios e virtudes se reformam todos os dias. Assim como um diamante que precisa ser lapidado, nós pobre humanos somos lapidados todos os instantes a todas as falhas que nos resultam no sofrimento escondido que trazemos no mais fundo de nossas almas. 

Aquilo tudo que jogou num lodo escuro e denso, aquilo tudo que fere calado, que ficou no passado, e que hoje soma a sua personalidade certo traço, ora bom, ora ruim. Ruim pra você mesmo, ruim pra nós mesmo, nossas provas, nossas aflições. Nosso maior presente. 

Que não soe masoquismo, muito menos um breve lapso de martirismo barato, mas sim tudo aquilo que nos mata, nos machuca e que por fim trás o tão temido sofrimento, é o nosso maior presente, aquilo que Deus nos guardou como o melhor remédio, o xarope amargo e eficiente para a cura. 

Somente através do instrumento da dor que abriremos os olhos do espirito, as janelas da alma, somente no escorrer das lagrimas purificaremos nosso ser, limparemos nossa alma. Não há passes nem livros, muito menos doutrina e religião nenhuma que o cure, se não o sofrimento. É na escola da dor que aprendemos a lição exata daquele momento, mesmo que muitas vezes cego estaremos, que nada enxerguemos e a única alça que iremos ver no sofrimento é a revolta, apenas respire e traga para dentro de si, toda aquela dor, sugue aquilo como o último gole de vida que tens, mastigue e se alimente daquilo vagarosamente, para que consiga digerir tudo, peça a luz e o esclarecimento caso não consiga entender ou aprender com aquilo que sofre.  Cedo ou tarde irá realmente se curar, sentir o efeito do remédio mais santo do mundo. Entenderá o perdão, a compaixão, entenderá o outro e assim o amará, como amará a ti mesmo. 

No caminho da resignação não há treva que perdure, aceite e confie, respira e entenda, olhe sempre para a causa ao invés de enfatizar a consequência, humildemente irá ver que a causa primária de tudo o que passou sempre esteve em você e assim poderá tirar a culpa do mundo e de Deus. 

Essa é a dura e árdua tarefa da Reforma íntima.

Que Oxóssi e Iansã abençoe a todos.


11 de dez. de 2013

Crônicas de Iemanjá. Parte 1: Os convites e os Sonhos Desfeitos

Congá da festa de Iemanjá do Portal dos Orixás em Itanhaém
Esse foi o congá mais bonito que já fizemos
Olá irmãos, como vão todos? Quem acompanha o blog Ser Umbandista e também a nossa página no Facebook conhece muito do nosso dia-a-dia e sabe que eu dirijo um centro de Umbanda chamado Portal dos Orixás. Sabe também que no dia 7/12/2013 foi a nossa festa de Iemanjá, em Itanhaém-SP. A festa foi tão boa, mas tão boa que eu a considerei a mais linda e gostosa já feita pelo terreiro a que pertenço, por isso resolvi fazer algumas crônicas para que você, leitor que infelizmente não pode comparecer, possa compartilhar da emoção que vivemos ali naquela praia.

Parte 1: Os convites, os convidados e os sonhos desfeitos.


No começo de Janeiro eu já sei quando será a festa de Iemanjá, a única do ano feita fora de nosso templo. Sei porque sou eu quem faço o calendário anual, sei porque tradicionalmente ela é realizada no fim de semana mais próximo ao dia 8 de Dezembro, dia em que nós umbandistas celebramos a Rainha do Mar.


Sou um homem extremamente planejador, é uma característica que não consigo abandonar. Se tenho algo importante para fazer, vou planejando isso com cuidado, idealizando tudo no decorrer do tempo até chegar a tal data. Contudo, idealizar nos afasta da realidade e seus percalços e, com isso, vem a decepção. Sempre é assim, imagine com uma festa tão importante para o templo e para a própria Umbanda?

Cada gira é um ensaio, uma oportunidade de deixar os membros da irmandade preparados para enfrentar uma noite inteira de vibração, incorporação, passes e cânticos, tudo isso com os pés na areia sentindo diretamente as forças do mar que está ali há poucos metros de distância. Pode parecer que não, mas o sacrifício é enorme.

Eu idealizo o trabalho como um momento de celebração entre pessoas queridas do terreiro, com todos os filhos reunidos, amigos e irmãos de fé. Todos juntos, colaborando com seu tempo e força de vontade para que a gira seja perfeita. Por isso é que na medida em que a festa se aproxima, eu banco o chato e saio convidando um por um. todas aquelas pessoas que vem a mim ou ao centro em busca de conselhos e ajuda, filhos que saíram da casa por vários motivos distintos e que sempre dizem morrer de saudade, amigos que simpatizem com nossa filosofia etc. Todos respondem animados que adorariam ir.

Quando falta um pouco menos de tempo, aqueles que deram certeza, já respondem algo do tipo "Estou louco para ir, mal vejo a hora! Só preciso acertar mais algumas coisas aqui..."

Há alguns dias da festa há um misto de misterioso silêncio com respostas assim "Opa! Só me fala como chego lá. Não sei que horas vou, mas eu te ligo quando estiver no caminho".

No dia da festa 90% das pessoas  que você convidou, desmarcaram. Os outros 10% sequer dão satisfação e você alimenta - mesmo depois de dez anos vendo e revendo este filme - a esperança de ter a companhia dessas mesmas pessoas, que você convida ano após ano sem obter êxito algum, na celebração que seu terreiro arquitetou durante um ano. Eu mantenho o celular ligado durante todo o dia para o caso de alguém telefonar dizendo que se perdeu, acreditam?

Isso tudo vem da minha necessidade de compartilhar com as pessoas aquilo que me faz bem e acabo me esquecendo que nem todo mundo sonha como eu ou sente o que sinto quando estou diante dos atabaques. Para cada um a Umbanda tem um peso, uma importância e é nessa hora que podemos medi-la sem ruídos. A festa está aí, a oportunidade também, só não vai quem não quer ou não se importa.

É nessa hora que fico triste, que começo a pensar que ninguém vai, que a festa será uma porcaria história, a pior de todos os tempos. Me precipito no caos e na desilusão, no medo da rejeição e do que o exército de dedos julgadores irá falar  de mim, das minhas ideias e filhos. Mas Iemanjá é soberana e sempre dá um jeito de me surpreender e me fazer entender coisas novas sobre a via.

Mas isso fica para a próxima história. Axé!

2 de dez. de 2013

Na Umbanda, Menos é Mais


Olá irmãos de fé, como vão? Mais uma vez peço desculpas pela falta de textos nas últimas semanas. Este "silêncio" tem sido motivado por uma grande mudança no templo que dirijo, pois estamos nos mudando de Itanhaém, cidade em que atuamos há quase 10 anos, berço de nosso terreiro e sede de nossa irmandade desde 2007. Isso causa em mim um sentimento meio difícil de explicar, mas prometo escrever sobre este tema futuramente.

Contudo o tema deste texto nasceu justamente em uma conversa acerca desta mudança. Neste fim de semana a família estava reunida na casa de minha irmã e Mãe de Santo, todos - meu pai, minha mãe, minha irmã, meu irmão (que já frequentou nossa casa) e eu - conversando à mesa quando meu irmão dispara:

"Na verdade vocês só finalizaram algo que já estava morto há tempos, né! Só tem dois gatos pingados na assistência e 4, 5 médiuns..."

Ah meus irmãos, ele mexeu com o assunto errado na frente do cara errado. Naquela hora todos os presentes, exceto, claro, meu irmão, fizeram cara de "Ferrou, lá vem". Comecei a conversa dizendo que era para ele tentar se lembrar que aqueles gatos pingados que estavam na assistência da gira eram um casal de velhinhos que chegaram ao nosso terreiro sem a mínima esperança de encontrar uma solução para o problema de drogas que seu filho enfrentava há mais de 15 anos. Disse que, felizmente, aqueles 2 gatos pingados eram hoje 3 gatos, pois o filho já frequentava as nossas sessões e havia abandonado o vício. Depois daquele episódio houve mais um, com o neto que precisaria de uma cirurgia ainda na barriga da mãe em que ambos poderiam morrer, mas tudo deu milagrosamente certo.

Desdobrei o assunto para evitar ficar falando das graças alcançadas ou de pessoas específicas. Entramos no tema quantidade x qualidade e o lembrei que na época em que ele frequentava nossas giras a casa era cheia. Cheia de pessoas querendo mais dinheiro ou um emprego melhor, de filhos que só queriam saber de enfeitar os guias e nada de fazer a caridade. Se hoje estamos com um quadro infinitamente menor, temos o alento de ver trabalhos maiores sendo executados. Além, é claro, de tudo aquilo que acontece num plano em que nossa visão física não pode chegar, nos irmãos espirituais que rumam para nossa casa buscando ajuda, nos trabalhos desfeitos e também em toda energia positiva que geramos ali e que em seguida é encaminhada para pessoas necessitadas em toda parte.

Claro que é a maior alegria para um Pai de Santo ver sua casa cheia de filhos e de pessoas assistindo. Eu mesmo chorei feito criança na festa de Cosme e Damião deste ano ao ver tanta gente lá, mas quantidade nunca foi um indicador de sucesso para mim (e não deveria ser para casa alguma!).

Acho que meu irmão entendeu o que quis dizer e vai tentar ter um pouquinho mais de empatia nas próximas vezes.

E você, entendeu?

Axé!