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26 de mai. de 2011

BATEU UM MEDO...



Serei sincero como nunca fui: estou ansioso e com medo. Sábado tem festa de Pretos-Velhos no terreiro que co-dirijo, já perdi as contas de quantas festas dessas eu participei, inclusive chefiando os trabalhos como acontecerá neste dia 28/5/11, contudo dessa vez eu vivo um grande e doloroso dejà-vu. Há três anos o destino agiu de forma incerta e fez com que eu, pela primeira vez, chefiasse os trabalhos por tempo indeterminado. Não titubeei e assumi a bronca, minha Mãe-de-Santo havia se licenciado de forma controversa após a festa de caboclos, os fiéis começavam a se rebelar, a abrir suas casas sem o menor preparo e me vi forçado a tomar algumas atitudes severas, cortando a própria carne, expulsando alguns filhos da corrente. Eram épocas conturbadas, obscuras.

Segui firme por várias giras, atravessei a quaresma e unifiquei o que sobrou do rebanho, entretanto havia uma ponta solta fundamental: não estava alinhado com a dirigente superior - e licenciada - da casa. A festa de Ogum, de Ciganos e Pratos-Velhos, os descarregos e passes foram maravilhosos nesse período, ministrávamos aulas sobre espiritismo em parcerias com centros kardecistas, após os trabalhos sempre rolavam agradáveis conversas, mas ainda faltava o alinhamento a que me referi no post passado. A Mãe-de-Santo e eu não partilhávamos das mesmas ideias e havia uma aura de substituição dela por mim, algo velado que ninguém ousava falar e eu não consegui perceber.

Na festa de Xangô, em Junho, ela enfim voltou. Brigamos e só não abandonei tudo porque sempre fui leal aos princípios que prego: meu compromisso é com os que necessitam e necessitarão de ajuda, nenhuma outra pessoa ou Orixá me desviaria disso. Recolhi meus cacos e segui firme. Sangrando, mas ainda de pé. Esta rusga mim e ela perdurou silenciosa até pouco tempo, uma pequena bomba sempre ameaçando explodir, algo como uma velha cicatriz que sempre dói em dias frios.

Mas o tempo é o senhor da razão, ele nos faz mudar nossa maneira de pensar e agir. Paramos para pensar e notamos que além de dividir uma casa, partilhamos o mesmo sangue e criação, somos exemplos para pessoas com o dobro de nossa idade e isso é algo infinitamente maior do que qualquer vaidade. Todavia revivo no calendário os mesmos momentos que passei há três anos, porém com a grande diferença: estamos todos em paz.

Meu medo? A Mãe-de-Santo nos visitará depois de meses sem poder fazer isso e quero que tudo saia perfeitamente bem. É um medo justificável de quem quer ser o orgulho da família.

Axé.

17 de mai. de 2011

SIMBIOSE




Podem comparar a função de Pai-de-Santo a qualquer uma: professor, guru, conselheiro, educador etc. mas nenhuma serve tão bem quanto a função de pai. O terreiro é como se fosse uma casa, com pai, mãe, irmãos, padrinhos, afilhados, visitantes, parentes entre outros. Deve ser administrado como tal, com sua hierarquia bem definida, afinal de contas em toda casa há alguém que manda seja o pai ou a mãe. Quem aqui nunca ficou confuso quando criança e pediu algo para o pai e obteve a resposta "Peça para sua mãe", foi até a mãe e ouviu "peça para seu pai", não é? No terreiro é a mesma coisa, por mais que haja cargos similares como de Pai-Pequeno e Padrinhos ou Mãe e Pai-de-Santo, há sempre um que dá a última palavra em todos os assuntos, por mais que possa delegar autoridade quase irrestrita aos demais. A relação entre os dirigentes deve ser de harmônica simbiose, a comunicação precisa ser clara e direta para que não haja temores na tomada de decisões quando da ausência de um dos membros, em especial o grão-responsável pela casa. Por mais que os dirigentes possam vir a ter visões diferentes sobre a condução do rebanho, devem se lembrar de que todos foram escolhidos por entes superiores, pelos Sagrados Orixás que confiam na capacidade de cada um deles e sabem que suas visões embora aparentemente divergentes irão convergir mais adiante pelo bem da religião e graças ao amor que todos tem pela causa a qual se entregaram.

No terreiro que co-dirijo (não estou no degrau mais alto da hierarquia, por mais que temporariamente seja eu o responsável por puxar a gira) sou conhecido por ser um pouco duro e por não dar brechas para relaxos dos fiéis, ao passo que a Mãe-de Santo é conhecida por sua doçura de menina, o que que acarretou durante algumas passagens de nossas vidas certas faíscas entre nós, porém agora que estou encabeçando as giras sem a presença (mais do que sentida) da dirigente maior do templo eu passei a perceber a lacuna deixada pela doçura de minha Mãe-de-Santo. Isso não quer dizer que eu tenha abandonado minhas posturas, mas não sou completo, nem ela. ninguém é. Me sinto desnudo ao abrir uma gira sem no mínimo o Padrinho ao meu lado. Éramos quatro inseparáveis há quase uma década atrás, hoje infelizmente nossa Madrinha se foi, está tocando outras missões em sua trilha, mas a simbiose entre os que restaram continua, precisa continuar por mais que os entendimentos sejam diferentes a missão é a mesma, o amor é o mesmo.

Sem a doçura de Mãe Raquel e a simplicidade de Padrinho Peninha, eu sou apenas dureza. Nada mais.

Axé.

4 de mai. de 2011

LÓGICA


Não há lógica na Umbanda.e esse é o pulo do gato, afinal de contas a Umbanda é natureza que por sua vez não tem nada de lógica ou racional, não permite previsões precisas por mais que nos esforcemos. Temos a mania de querer se antecipar às coisas, olhar para trás e tentar definir um padrão para os acontecimentos afim de arriscar os futuro. Na Umbanda não acontece isso, assim como não se prevê onde e qual a escala de um terremoto, não se pode prever quanto tempo um médium levará para se tornar auto-suficiente - isso se um dia ele conseguir isso. A chave da coisa é apenas viver.

Um terreiro é de certa forma uma escola, claro, mas uma escola para vida e não um centro formador de sacerdotes. Não há um plano de carreira no qual você se tornará cambone durante um período e depois começará a girar por determinado espaço de tempo para que em seguida seu orixá fale, beba, fume, dê passes até vencer o prazo para que o fiel integre a padrinhagem e se prepare para abrir sua própria casa. Erro de quem entre num terreiro pensando isso, de quem encara a administração de um templo como se fosse uma empresa, distribuindo cargos para motivar ou conter os ânimos dos descontentes. a função do terreiro - já disse - é formar pessoas, não sacerdotes.

Há, claro, quem seja predestinado a receber das mãos da vida o cajado e reunir um rebanho, mas estes são raros e para eles nutro um misto de pena e orgulho, pois a missão é dura e flagelante, deve-se abdicar de muitas coisas ditas doces e aceitar muitas outras ditas amargas, assim crescemos fortes no desconforto enquanto confortamos o próximo, apanhamos, somos obrigados a ver filhos virtuosos indo embora enquanto seguramos o choro para não demonstrar fraqueza aos rebentos mais jovens, recém ingressados. Me orgulho de quem aceita o cajado, esses sim fazem estadia no templo para desenvolver suas aptidões, se fortalecer e provar seu valor, mas são tão poucos...

Entre no templo, entre para a Umbanda com o propósito de ser mais um. Só isso. Você não é super herói e não vai fazer história, não vencerá demandas sozinho. Você é só um peixinho no cardume e isso é a coisa mais bela na Umbanda: o conjunto.

Certa vez o Sr. Exú Coroado disse: "O terreiro é uma árvore, nela a Mãe-de-Santo é o tronco que sustenta os galhos, que são os padrinhos, que seguram as folhas e frutos representados pelos médiuns. Quem recebe a luz do sol para alimentar a árvore são as folhas, os poucos frutos sadios cairão no chão e semearão para nascer novas árvores. Cuide dos seus galhos, cuide das suas folhas, cuide dos seus frutos".

Sou galho graças a Deus!